Governo reduz juro de consignado e nem bancos públicos aceitam

Bancos estatais não aceitam recomendações de ministro de Lula

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Por Bruno Andrade

A crise no setor do crédito consignado começou na noite de quinta-feira (16) com os bancos privados, como Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Pagbank, Daycoval e Banco Pan (BPAN4) cortando os empréstimos aos beneficiários do INSS. A medida foi tomada após o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) aprovar a redução do teto do juros dos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas de 2,14% para 1,74%. A taxa do crédito consignado via cartão de crédito foi de 3,06% para 2,62%.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que a decisão do CNPS, ligado ao Ministério da Previdência Social, “pode comprometer ainda mais a oferta de empréstimo consignado e do cartão de crédito consignado”, e argumentando que os patamares de juros fixados precisam estar em linha com os custos de captação dos recursos por parte dos bancos.

“Os novos tetos têm elevado risco de reduzir a oferta do crédito consignado, levando um público, carente de opções de crédito acessível, a produtos que possuem em sua estrutura taxas mais caras, como produtos sem garantias, pois uma parte considerável já está negativada”, afirmou a Febraban.

Já o banco Daycoval explicou que vai “concentrar esforços para a operação de empréstimo consignado para funcionários públicos” e que os empréstimos para os beneficiários do INSS ficaram “economicamente inviáveis”.

Para piorar a situação, os bancos públicos mostraram um racha no governo após suspenderem os empréstimos consignados. Em nota, o Banco do Brasil (BBAS3) disse que está fazendo estudos para ver a viabilidade das novas taxas. “Tão logo haja novidades sobre a retomada das contratações no âmbito do convênio, informaremos”, explicou o BB.

A Caixa também comentou que a volta do produto está condicionada à finalização de estudos. “Com a mudança, a Caixa esclarece que a linha está suspensa e informa que sua disponibilidade está condicionada à finalização dos estudos técnicos de viabilidade econômico-financeira e operacional, já em andamento, com vistas a garantir a adequação das concessões aos novos dispositivos normativos”.

O ministro da Previdência, Carlos Lupi, atacou a reação dos bancos. “A suspensão do crédito consignado prejudica, principalmente, os aposentados e pensionistas que precisam de crédito para complementar suas rendas, e que não têm alternativas de crédito”, disse Lupi ao mostrar descontentamento com a decisão dos bancos geridos por seus colegas, visto que as presidentes da Caixa e BB foram indicadas por Lula.

O empréstimo consignado nasceu nos anos 60 no Brasil. Praticamente saiu de cena nos anos 80 e 90 e retornou, de forma triunfante, por uma medida provisória assinada no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. O presidente tinha convicção pessoal, e não foi influenciado por ninguém. Desde vez, 20 anos depois, ele delegou a Lupi a missão de aprovar as reduções de juros dos consignados. 

Visão do mercado

Para Matheus Guimarães, analista da XP Investimentos, a redução do teto dos juros do consignado a pensionistas é levemente prejudicial para o setor bancário, uma vez que as instituições financeiras vinham priorizando linhas de crédito consideradas de menor risco, como o consignado, em meio à postura mais conservadora adotada nas projeções dos bancos para o ano.

“Ressaltamos ainda que a medida pode aumentar as preocupações dos investidores em um cenário atual já de aumento da percepção de risco para o setor decorrente de eventos domésticos, como o caso Americanas, e externos, como o caso Silicon Valley Bank”, afirmou Guimarães.

Segundo o analista do TC Matrix, Carlos André Vieira, caso os bancos decidam retomar a modalidade, provavelmente deverão adotar estratégia mais defensiva, focando em clientes com maior nota de crédito para não deixar totalmente essas operações, vistas como positivas devido às boas margens e menores riscos.

“Os bancos que continuarem na modalidade vão estar bastante sobrecarregados pela alta demanda”, afirmou Vieira.

Esse temor fez com que algumas casas cortassem a recomendação para os bancos que mais dependem desse produto. A equipe do Itaú BBA avaliou que o Banco Pan poderia sofrer os maiores efeitos com a mudança aprovada pelo CNPS, por ter 30% da carteira ligada ao consignado, o que seria negativo também para seu controlador, BTG Pactual.

No Bradesco também deve haver impactos, com os consignados respondendo por 6% do total da carteira do banco. O Banco do Brasil tem proporção menor, de 2% no total de empréstimos, e um perfil de cliente com grande presença de funcionários públicos, acrescentaram os analistas.

* Com reportagem adicional de Gustavo Boldrini