O governo brasileiro aposta em um chamado “Plano de Transformação Ecológica” como uma das grandes promessas para fortalecer a economia e gerar um processo de reindustrialização nos próximos anos, com os investimentos em energia limpa e o fomento de uma cadeia local de suprimentos como pontos-chave da estratégia.
Reiterada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros ministros da Esplanada, a busca do Brasil pelo protagonismo em energias renováveis deverá colocar o país em disputa direta com pesos pesados: nos últimos anos, Estados Unidos, China e União Europeia aceleraram fortemente incentivos e subsídios para esse setor, com objetivos finais semelhantes aos brasileiros.
Para o ex-diretor executivo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) Otaviano Canuto, presenciamos o início de uma “guerra global de subsídios” envolvendo alguns segmentos, principalmente ligados à transição energética e novas tecnologias. “O fato é que subsídios em larga escala proliferaram, em uma corrida para subsidiar os chamados setores ‘estratégicos’”, escreveu ele, em artigo publicado no site Seeking Alpha.
Os fortes incentivos do governo chinês a indústrias como de energia renovável e carros elétricos agora somam-se ao Ato de Redução da Inflação (IRA) dos EUA, e outras legislações aprovadas pelos Congresso americano, repletos de generosos incentivos setoriais, que depois ganharam concorrência de políticas da União Europeia, com a chefe da UE, Ursula von der Leyen, admitindo que o objetivo é justamente evitar a perda na corrida tecnológica para os EUA e China.
“Há um risco de que países, especialmente EUA e China, adotem definições cada vez mais amplas sobre o que constitui um setor ‘estratégico’, levando a novas ‘guerras globais de subsídios’. Pior ainda para países sem espaço fiscal para, se desejarem, disputar os setores de tecnologias mais avançadas”, escreveu Canuto.
Embora Canuto não tenha citado diretamente o Brasil em seu artigo, é evidente a restrição do país para despender bilhões em políticas de incentivos setoriais no atual momento. O Ministério da Fazenda tem como meta um déficit primário zero ainda neste ano, já visto como incumprível – o mercado trabalha com projeções de déficit de cerca de 0,7%.
PROJETOS E DESAFIOS
Nos planos do governo Lula estão a aprovação de projetos de lei para viabilizar investimentos em hidrogênio verde e usinas eólicas offshore, no mar, dois segmentos para o qual acredita-se amplamente que seriam necessários subsídios neste momento, devido aos maiores custos dessas tecnologias em relação a alternativas tradicionais. Haverá enorme pressão de políticos e investidores pela liberação de recursos públicos para apoiar esses setores aqui, enquanto China, Europa e EUA também têm apoiado vigorosamente essas indústrias e podem concorrer por investimentos de grandes empresas globais.
Na corrida pelas novas fronteiras tecnológicas verdes, o avanço do Brasil para negócios como o hidrogênio verde e as eólicas offshore ainda deve ser atrapalhado pelo cenário do setor elétrico local, que tem uma conjuntura de tarifas já elevadas, que são alvo de muita preocupação no governo, o que dificultará qualquer novo subsídio que pese sobre a conta de luz no futuro.
Por outro lado, há um excesso de oferta no sistema elétrico atualmente, e os preços de energia no mercado, para grandes consumidores como indústrias, estão baixos. Essa conjuntura até ajuda a atrair investimentos industriais, mas trava muitos negócios envolvendo novas usinas de energia limpa. Como construir grandes eólicas offshore, por exemplo, se há sobra de energia?
Mesmo o mercado de usinas eólicas tradicionais, em terra, até então pujante e inabalável, vive um momento visto como extremamente desafiador no Brasil, após um aumento de custos de equipamentos pós-pandemia que tornou mais difícil a tarefa de tirar um novo projeto do papel no atual quadro de preços baixos de energia. GE e Siemens Gamesa desistiram da produção local de turbinas eólicas, e a WEG está para suspender a produção de turbinas em sua fábrica de Jaraguá do Sul porque não recebe novos pedidos há mais de um ano, assim como rivais, como mostrou matéria recente do Valor Econômico. A Indústrias Romi viu a receita de sua unidade de fundidos e usinados cair 74% em um ano, com a redução dos negócios associados a peças para energia eólica.
No setor solar, os investimentos são favorecidos pela forte queda recente dos preços dos equipamentos, devido ao excesso de capacidade da indústria chinesa de painéis fotovoltaicos, mas justamente esse fator que aumenta a competitividade do segmento impõe desafios às ambições de reindustrialização brasileiras – EUA e Europa viram suas indústrias solares ficarem para trás e praticamente quebrarem depois do domínio chinês e agora estão injetando pesados subsídios para voltar a ter produção local de equipamentos.
Embora seja óbvia a vocação do Brasil para atrair investimentos em energia limpa, o que já acontece em grande medida e com sucesso, o fato é que há um movimento global de retomada de políticas estatais de fomento a setores estratégicos que poderá tornar essa missão mais difícil do que o que estávamos acostumados a enfrentar, com disputa mais intensa pelo capital externo e principalmente pela atração de fábricas e complexos industriais voltados às novas tecnologias.