Por Reuters
As divisões dentro do Mercosul diminuíram as esperanças na União Europeia de firmar um acordo comercial com o bloco sul-americano, que podem ser desfeitas por completos se o tratado não for concluído até o final do ano, disseram diplomatas e membros do Parlamento Europeu à Reuters.
Dois dos quatro países do Mercosul — formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — ainda não responderam a um adendo no qual Bruxelas incluiu salvaguardas ambientais para atender às reservas de muitos Estados membros da UE, disseram os diplomatas.
Os negociadores da UE estão esperando por uma resposta desde março. Muitos esperavam uma conclusão rápida do acordo comercial sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reformulou as políticas ambientais do Brasil para proteger a floresta amazônica desde que assumiu o cargo este ano. Mas essa esperança se dissipou desde então.
“Ela esvaziou como um balão”, disse o eurodeputado austríaco Thomas Waitz após uma recente visita ao Brasil. Ele disse que os comentários de Lula sobre a invasão russa na Ucrânia, culpando ambos os lados pela guerra, contribuíram para o desencanto dos europeus.
“Isso causou muita decepção e reduziu o entusiasmo e as esperanças de uma rápida finalização do acordo comercial com o Mercosul”, disse Waitz em uma entrevista.
Como presidente pro tempore do Mercosul desde julho, Lula também se opôs à abertura no setor de compras governamentais em ambos os blocos, conforme previsto no acordo comercial negociado por seu antecessor após quase duas décadas de discussões.
Até mesmo Lula reconheceu publicamente que a paciência está se esgotando com as negociações sobre o acordo, que estão suspensas desde 2019 devido a preocupações ambientais europeias.
“Na minha opinião, a gente tem que chegar nesses próximos meses a um acordo ou sim ou não. Ou faz o acordo ou para de discutir o acordo, porque 22 anos ninguém acredita mais”, disse Lula a repórteres na segunda-feira em Nova Délhi, após a cúpula do G20.
Diplomatas europeus, no entanto, disseram que o Mercosul ainda não enviou uma contraproposta consolidada. Na segunda-feira, autoridades do Uruguai e do Paraguai disseram que nenhuma resposta por escrito havia sido enviada à UE.
“Se algo foi enviado, foi a posição do Brasil, não a do Mercosul”, disse uma fonte do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai.
Bernd Lange, presidente do Comitê de Comércio Exterior do Parlamento Europeu, que deve aprovar qualquer acordo, disse que a UE esperava uma resolução mais rápida, embora reconheça os desafios domésticos de Lula. A UE não recebeu nenhuma resposta até o momento sobre suas exigências de compromissos sobre o clima e o desmatamento.
As diferenças entre o Brasil e o Uruguai em relação à sua resposta à UE, além da mudança de governo no Paraguai, atrasaram uma resposta conjunta do Mercosul sobre a chamada carta de adicional, disseram os diplomatas. Eles disseram que não haverá outra rodada de negociações até que a UE receba uma resposta conjunta do Mercosul.
Os atrasos acabaram com as esperanças de concluir o acordo comercial em julho, durante uma cúpula entre a UE e a América Latina em Bruxelas. Depois de se reunir com Lula, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falou em concluir o acordo até o final de 2023.
Até mesmo esse cronograma está agora em dúvida, de acordo com o embaixador do Uruguai no Brasil, Guillermo Valles Galmés, cujo país expressou interesse em seguir em frente sem o Mercosul para assinar um acordo comercial bilateral com a China.
“A janela de oportunidade está se fechando e, se o acordo não for assinado até o final deste ano, é improvável que aconteça”, disse Valles, que foi enviado à UE quando as negociações começaram em 1996 e, mais tarde, liderou as negociações como vice-ministro das Relações Exteriores do Uruguai.
O primeiro colocado nas primárias para as eleições de outubro na Argentina, Javier Milei, é um cético libertário em relação ao clima que se comprometeu a sair do Mercosul, que ele chama de “união alfandegária defeituosa”.
O interesse da UE também pode diminuir depois que a Espanha, o maior defensor do acordo com o Mercosul, encerrar seu período na presidência de seis meses da União Europeia no final do ano.
Espera-se que as eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024 também atrapalhem a agenda no próximo ano.
“Se o acordo não for assinado até o final deste ano, a Comissão não continuará pressionando por ele. Eles farão o possível para mantê-lo fora da campanha eleitoral”, disse o deputado Waitz. “Não acho que isso vá acontecer. Essa é uma batata quente.”
(Reportagem de Anthony Boadle, em Brasília; Philip Blenkinsop, em Bruxelas; Lucinda Elliot, em Montevidéu, e Daniela Desantis, em Assunção)