Visita de Kim Jong-un à Rússia e o novo modelo de Guerra Fria

Questões militares e políticas desenham nova ordem mundial, mas empresas podem fazer contrapeso

Reuters News Brasil
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Por Bruno Andrade*

O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, se reuniu com o presidente russo Vladimir Putin na última quarta-feira (13). Os líderes discutiram questões militares, a Guerra na Ucrânia e a possível ajuda russa para os mísseis norte-coreanos,

No entanto, a fofoca não oficial do ocidente é que a Rússia quer ajuda de armamento para dar um golpe final na Ucrânia, o que me causa estranheza. Se a Rússia realmente precisa da nanica Coreia do Norte para vencer a guerra contra Kiev, Moscou vai certamente perder a batalha. Mas há outra leitura: a informação  de que a reunião serviu para Moscou buscar ajuda na miserável Coreia do Norte pode ser apenas um discurso do ocidente para dizer que Putin está fraco.

Ainda assim, a ida de Kim para Rússia reforça a tese de que o mundo caminha para uma nova guerra fria. Defendo a ideia de que ingressamos, de fato, em um novo modelo de Guerra Fria. Mas creio que, diferentemente da Guerra Fria, onde havia dois modelos econômicos, hoje, grandes conglomerados privados estão presentes em todo o canto do mundo.

E é justamente o mundo corporativo que deverá freiar o acirramento dos ânimos e impedir certos alinhamentos que, acredita-se, seriam automático – entre a China e a Rússia, por exemplo. Em suma, quem pode impedir a expansão do conflito na Ucrânia e uma nova Guerra Fria, que separou o mundo em dois, é justamente é o mundo corporativo.

Na prática, a guerra fria foi um conflito indireto entre EUA e URSS, em que os dois países financiaram conflitos regionais de lados opostos.

Na guerra da Coreia foi a Coreia do Norte com o apoio da URSS contra a Coreia do Sul apoiada pelos EUA. O mesmo aconteceu na guerra do Vietnã, com o norte sendo apoiado pelos soviéticos e o sul com forte entrada do exército americano.

No século XXI vemos a Rússia tomando a mesma postura. Na guerra civil da Síria, Putin apoiou o ditador Bashar Hafez al-Assad‎, enquanto os EUA apoiaram os rebeldes. Quando os EUA invadiu o Iraque, a Rússia foi fortemente contra. E quando a Rússia invadiu parte da Georgia, os EUA foram contra.

Ou seja, o mesmo revanchismo que passou pelos alemães e causou a segunda guerra mundial paira sobre os russos, que podem aumentar ainda mais as tensões entre Moscou e Washington e mudar a ordem mundial.

É claro que a guerra fria não se restringiu apenas às questões bélicas. A cultura também refletiu essa rivalidade. Os filmes americanos sempre traziam os soviéticos como os vilões e o inimigo a ser vencido.

A série 007, por exemplo, sempre trouxe o espião russo. E teve até um filme na década de 1960 voltado para espionagem americana na União Soviética: “Moscou contra 007”. No século XXI, essa questão americana é vista no filme “Missão Impossível – Operação Fantasma”, quando o agente secreto invade o Kremlin para apagar seus dados e evitar uma guerra nuclear entre a Rússia e os EUA.

Se na política e na cultura esse sentimento de ocidente contra oriente parece ter sido reativado, na economia a história é mais complicada. A globalização fez os EUA e a China, que são países que fazem parte dessas forças antagônicas, se tornarem grandes parceiros comerciais.

Segundo dados compilados pelo Santander, a China foi o principal fornecedor de insumos para os EUA em 2022 com cerca de 17% das importações feitas pelos EUA sendo produtos chineses. E não é só os EUA, o Brasil também tem a China como seu maior parceiro comercial. Cerca de 26% das exportações brasileiras do ano passado foram para a China.

Ou seja, mesmo com a atual configuração do globo, com Rússia, China e Coreia do Norte de um lado e EUA, Otan e Ucrânia do outro, as questões comerciais podem ser um empecilho para a volta total da cortina de ferro no curto e médio prazo.

Claro que há países e políticos que querem o fim dessa relação comercial globalizada. O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, sempre foi contra essa relação com a China e até criou uma guerra comercial para tentar conter isso.

Na cúpula do G7, em março, o presidente francês Emmanuel Macron disse que o grupo deve procurar novas alternativas no lugar da China, o que deixa claro a ambição do lado político.

No entanto, para essas transformações acontecerem, várias empresas podem ser prejudicadas, como a Apple. A empresa possui fábricas na China. A cidade de Zhengzhou é conhecida como a cidade da Apple por abrigar a maior fábrica da empresa e ter cerca de 200 mil funcionários.

Ou seja, se o lado político, militar e cultural aparenta desejar a volta da cortina de ferro com guerra e sanções econômicas, as empresas instaladas na China podem amenizar esse processo de término da globalização e retomada do mundo polarizado.

*As opiniões dos colunistas do FLJ não refletem a posição do veículo.