Governabilidade Emprestada

Para colunista, governo depende do presidente da Câmara, Arthur Lira

Agência Brasil
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Por Lucas de Aragão

Nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Lula (2003-2010), Dilma (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018) era muito comum ter na memória o tamanho da base aliada do governo. Ainda que por diferentes motivos a obviedade do tamanho desta base tenha variado entre esses governos, ainda era possível saber aproximadamente o número de votos governistas.

De uns anos para cá a governabilidade mudou. Parte importante dessa mudança de poder tem a ver com a autonomia crescente do Congresso Nacional, que hoje comanda boa parte do orçamento, conta com emendas impositivas (em um passado recentes as emendas eram autorizadas ou não pelo Poder Executivo) e exerce poderes que no passado eram quase ignorados, como a derrubada de vetos. Mudanças regimentais também fortaleceram o Parlamento, tirando do Poder Executivo o controle quase total que tinha sobre a pauta.

Mais recentemente outro fenômeno tem acontecido e seguirá acontecendo novamente no Governo Lula III: a governabilidade emprestada. Antes de explicar exatamente o que é, vamos dar um passo para trás. 

A grande força motora da organização política no Congresso Nacional foi, por décadas, os partidos políticos. É importante também mencionar a coesão e organização das bancadas temáticas, como a Bancada do Agronegócio e a da Segurança Pública. Formada por parlamentares de diferentes partidos, mas que defendem uma causa em comum, o humor das bancadas tem influência não apenas em votações setoriais, mas em todo o conjunto de forças do Congresso Nacional. 

Desde que a polarização entre direita e esquerda no Brasil se acentuou, com claras tendências regionais, os partidos do centro passaram por uma reformulação. Por um lado, se fortaleceram. Afinal, sem defender uma clara bandeira ideológica, é possível acomodar todos. Há inúmeros casos no PSD, MDB, PP, entre outros, de deputados que foram eleitos apoiando Lula e outros apoiando Bolsonaro. Por outro lado, ao se encontrarem em Brasília, esses parlamentares, muitas vezes, não conseguirão seguir uma mesma linha, enfraquecendo a capacidade de partido de se organizar.

A consequência disso é uma governabilidade absolutamente imprevisível e diferente do passado. Na Câmara o governo conta com aproximadamente 140 deputados federais. São parlamentares de esquerda, prontos para atuar em muitas batalhas do Governo Lula. Ainda faltam muitos para que se atinja maioria simples, absoluta e principalmente constitucional. A atração de partidos para a base, tradicionalmente feita a partir de espaços em Ministérios e outros órgãos públicos, não é tão trivial, dada a fragmentação ideológica.

Nasce um fenômeno de tudo isso, a governabilidade emprestada. Hoje os dois principais organizadores de maioria no Congresso são Arthur Lira, presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Gira em torno dos dois, principalmente de Lira, a capacidade de organizar maiorias. Lira é fruto de um processo de acúmulo de poder do Poder Legislativo e do centro político.

O governo terá sucesso quando atrair Lira em um determinado assunto. O governo deve fracassar quando o engajamento de Lira for neutro ou negativo. Vamos olhar alguns exemplos práticos.

Nos últimos dias Lira tem elogiado a proposta do novo arcabouço fiscal. Esse apoio suavizará a tramitação do projeto, que deve ser aprovado sem grandes sustos, ainda que com mudanças. Por outro lado, a Medida Provisória que altera o CARF foi recebida de forma mais morna pelo Presidente da Câmara, que criticou publicamente pontos relevantes da proposta. O resultado é uma proposta que passa por muitas dificuldades. Os decretos recentes que alteram pontos do Marco do Saneamento sofrem com uma enxurrada de questionamentos políticos e legais avalizados por Lira. 

Há outras variáveis, claro, como o humor do mercado, as pressões setoriais, a percepção das redes sociais, a cobertura da imprensa e o apoio de outras lideranças políticas. No entanto, a variável chave será a capacidade do Governo em atrair Lira e Pacheco, principalmente o primeiro, para suas pautas.

Teremos um ano volátil em relação a governabilidade. Prevejo que em uma curta janela de espaço o governo terá enormes sucessos, com votações explosivas, e contundentes derrotas. A base aliada do governo seguirá abstrata, expandindo quando conseguir atrair apoios como o de Lira, retraindo quando não.  

*O conteúdo da coluna é de responsabilidade do colunista e não reflete o posicionamento do FLJ