Fintechs seguem ganhando mercado, mas "tempestade perfeita" ameaça rentabilização de clientes

Fatores regulatórios e macroeconômicos mantém rentabilidade de clientes de "neobancos" muito abaixo dos "bancões"

Vinícius Martins/ Mover
Vinícius Martins/ Mover

Por Gustavo Boldrini

São Paulo, 23/1/2023 – As fintechs brasileiras aumentaram sua fatia de mercado em 2022, mas uma “tempestade perfeita”, composta por fatores regulatórios e macroeconômicos, mantém a rentabilidade da base de clientes dos chamados neobancos muito abaixo dos bancões que dominam o setor financeiro, explicitando o maior desafio que essas companhias enfrentarão nos próximos anos.

Dados do Banco Central mostram que a fatia de mercado dos cinco maiores neobancos brasileiros – Nubank, Original, Mercado Pago, PagBank e Inter – saiu de 19% no quarto trimestre de 2021 para 22% ao final de 2022. Já os cinco bancos incumbentes – Caixa, Bradesco, Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Santander Brasil – saíram de 58% de market share para 50% no mesmo período.

Por outro lado, os números também refletem as dificuldades que as fintechs enfrentam para rentabilizar sua base de clientes. Segundo cálculo do UBS-BB, o valor de mercado por cliente dos bancos incumbentes atingiu média de US$360, contra US$150 dos neobancos e instituições de pagamentos.

Segundo analistas ouvidos pela Mover, a alta de juros promovida pelas principais economias do mundo ao longo do ano passado elevou as dificuldades enfrentadas pelas fintechs para adquirir recursos.

“Antes as fintechs não queriam dar lucro, queriam crescer. Essa história era bonita quando o capital era barato e estava fluindo pelo mundo. Quando há aumento global de juros, esse crédito que fluía ficou escasso, e continua assim em 2023”, avaliou o analista do Santander Henrique Navarro.

O mercado vem precificando um ambiente mais complicado para as fintechs brasileiras: nos últimos 12 meses, as ações de Nubank, PagSeguro e Stone negociadas em Nova York acumulam quedas respectivas de 51%, 58% e 37%. Segundo dados da Economatica, até o início da semana passada, as três companhias perderam respectivamente cerca de US$23 bilhões, US$4,7 bilhões e US$2,2 bilhões em valor de mercado no mesmo período. Os papéis do Inter recuaram 36% desde a listagem na Nasdaq, em junho de 2022, perdendo cerca de US$260 milhões em valor de mercado desde então.

Na contramão, os papéis ordinários do Banco do Brasil e preferenciais do Itaú avançaram, respectivamente, 43% e 15% nos últimos 12 meses na B3. A ação preferencial do Bradesco e a unit do Santander Brasil caem 18% e 1,4%, refletindo o impacto do ciclo de aumento da inadimplência na rentabilidade de ambos, que adotaram postura mais agressiva de concessões de crédito em 2021 e agora estão “arrumando a casa” – nos últimos dias, os ventos contrários sobre papéis de Bradesco e Santander têm vindo do pedido de recuperação judicial da Americanas.

Para as fintechs menores e não listadas em bolsa, a alta dos juros nas principais economias do planeta, que enxugou a liquidez global e aumentou a aversão ao risco, tem levado veículos de capital de risco a evitarem exposição a esse tipo de companhia.

“Hoje não se vê mais grandes aportes de venture capital em fintechs, mas sim uma migração de recursos para startups de saúde, segurança cibernética e inteligência artificial”, disse à Mover o analista de uma firma especializada em fusões, aquisições e investimentos no setor de tecnologia.

“Estamos em um momento de muita insegurança política, com variáveis difíceis, o que torna bem difícil prever os rumos dos mercados. Há quem já chame 2023 de ano perdido, mas vamos trabalhar e nos superar como sempre fizemos”, disse à Mover o presidente do conselho da Associação Brasileira de Fintechs, José Luiz Rodrigues.

REGULAÇÃO

O fator regulatório também é apontado por analistas como crucial para entender o momento das fintechs. Trata-se de uma demanda antiga da Federação Brasileira de Bancos, que viu as chamadas “instituições de pagamento”, termo técnico utilizado pelo Banco Central, ganharem cada vez mais espaço em um setor historicamente concentrado, no qual os cinco maiores bancos do país – Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander Brasil e Caixa – dominavam as operações de crédito.

Para o consumidor, a abertura do mercado para as fintechs de crédito e os neobancos significou, além da redução da concentração, o recuo no chamado spread bancário, que ilustra a relação entre os juros cobrados de clientes nos empréstimos e os juros pagos para captar esses recursos.

No ano passado, após uma longa discussão, o BC lançou diversas resoluções para reduzir as disparidades entre a regulação dos bancões e das instituições de pagamento. Dentre elas, está o aumento das exigências de capital para as maiores fintechs, além de um limite à tarifa de intercâmbio, valor cobrado pelas fintechs por transações com cartões de débito e pré-pagos – um golpe em uma das principais fontes de receita dessas empresas.

“Fintechs estão sem dinheiro, o mundo mudou e elas estão com muitos problemas. Já deram crédito demais e agora estão aprendendo. Apertar mais ainda a regulação pode matar todo o esforço que o país fez na última década para ampliar o número de empresas do setor financeiro e reduzir a concentração dos grandes bancos”, disse o economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim. Segundo ele, a questão de competitividade é o ponto-chave para a tese de investimento em fintechs atualmente.

E AGORA?

O gestor da Cardinal Partners, Marcelo Audi, ainda vê espaço para que o BC volte a “aperfeiçoar” as regulações às fintechs, especialmente àquelas que obtiveram maior crescimento. E isso deve atrasar ainda mais a busca dessas companhias por rentabilidade, uma vez que pode gerar um aumento de despesas.

“Daqui para frente o BC tende a aperfeiçoar a regulamentação para aumentar os requisitos de fintechs que cresceram muito, seja em termos de exigência de capital, seja qualificação de membros de conselho. As fintechs terão que contratar, treinar, integrar gente, mudar cultura. Vai acabar gastando menos no crescimento e mais com essas burocracias”, avaliou Audi, que vê grandes bancos como Itaú e Banco do Brasil favorecidos neste cenário de incertezas.

“Os bancões fecharam um gap de atraso em termos de transformação digital ante as fintechs. A hora agora é dos incumbentes terem mais competitividade”, acrescentou Audi, lembrando a melhora em indicadores de satisfação do cliente, como o net promoter score, ou NPS, dos grandes bancos – no terceiro trimestre de 2022, o NPS do Banco do Brasil avançou 10,25 pontos na base anual e atingiu patamar recorde.

Rodrigues, da ABFintechs, reiterou que o setor está preparado para um eventual novo aperto regulatório. “Quem empreende sempre deve ter no seu plano de negócios variáveis que mitiguem riscos de possíveis ajustes provocados por reguladores”, disse.

Em nota enviada à Mover, a Febraban disse que “o BC tem procurado trabalhar com o conceito de aproximar as condições regulatórias e de competição” entre bancos e fintechs e ressaltou que a agenda de busca por isonomia regulatória no setor é “permanente e de longo prazo”.

Na mesma nota, a Febraban aponta para novas medidas regulatórias, em especial no que se refere a “políticas de gratuidades e de precificação de serviços e tarifas incidente sobre os bancos; os Custos Financeiros e depósitos compulsórios, praticamente concentrados nos bancos incumbentes e cuja distorção aumenta com o cenário de alta das taxas de juros e os custos de observância”.