
São Paulo, 28/10/2025 – O relatório do senador Eduardo Braga para a medida provisória 1.304 derrubou ações do setor elétrico na terça-feira, ao surpreender o mercado financeiro com proposta que na prática permitiria capturar para os consumidores, via tarifa, benefícios fiscais de empresas de distribuição de energia. Neoenergia, Equatorial e Energisa despencaram na bolsa de valores assim que o texto foi divulgado.
A proposta de Braga, que já foi ministro de Minas e Energia na gestão Dilma Rousseff, veio em meio a uma ampla reforma da legislação do setor de energia trazida pela MP 1.304. A equipe de análise de utilities do BTG, liderada por Antonio Junqueira, avaliou que, se esse trecho da medida passar, haveria redução significativa no preço-alvo para as ações das três empresas mais atingidas– na Equatorial, de R$46,00 para R$42,00, na Neoenergia de R$39,00 para R$36,00, e na Energisa de R$66,00 para R$60,00.
Esse trecho da medida, em específico, reduziria a taxa de retorno dos investimentos de distribuidoras de energia no Norte e Nordeste, que hoje contam com redução de impostos por estarem nas áreas da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) e da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), ao considerar os benefícios no custo de capital das empresas do setor, o WACC, utilizado para cálculo das tarifas.
O efeito prático seria redução na taxa de retorno das empresas, beneficiando consumidores com reajustes menores na conta de luz. “A mudança deve reduzir tarifas em 2,1%, mas gera efeitos negativos para as concessionárias”, escreveu o BTG, acrescentando que esse mecanismo foi incluído “de última hora”, e não estava previsto em negociações anteriores sobre a MP.
Segundo a proposta de Braga, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) deverá levar em consideração as alíquotas reais de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas ao calcular o WACC, componente importante das tarifas, incluindo benefícios fiscais específicos concedidos por programas como Sudam e Sudene. Na prática, isso significa que aquelas que operam em regiões com incentivos fiscais terão redução na taxa de retorno regulatória.
As ações da Neoenergia, que subiam 3,8%, com resultados da companhia divulgados na véspera sendo bem recebidos pelo mercado, viraram para baixa e chegaram a despencar 6,4% nas mínimas do dia depois do relatório da MP. A empresa controla distribuidoras em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia, beneficiadas por estarem em área da Sudene. Os papéis fecharam em queda de 2%.
Ações da Energisa caíram 2,6%, após caírem quase 4,0% nas mínimas do dia, e Equatorial tombou 3,19%, caindo 5,20% no pior momento do pregão, uma vez que ambas têm distribuidoras no Norte e Nordeste que também seriam afetadas.
Os papéis diminuíram perdas depois do susto inicial, com visão de que a proposta poderia não prosperar. Junqueira, do BTG, escreveu em nota a clientes que esse trecho da MP tem potencial para gerar disputa nos tribunais, com questionamentos das empresas ao fim do benefício por MP.
“Esse texto colocado de supetão na MP não deveria prosperar”, opinou Junqueira, do BTG “Compraríamos Equatorial vs Auren.”, acrescentou. Uma fonte disse que o tema deve gerar insatisfação e pode resultar em questionamentos das empresas, dado que os benefícios de Sudam e Sudene são constitucionais, e em tese miram atrair investimentos para o Norte e Nordeste com redução no imposto de renda.
O repasse desse benefício fiscal às tarifas dos consumidores já havia sido discutido antes pela reguladora Aneel, mas barrado na ocasião por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, a medida agora viria com força de lei.
As empresas beneficiadas conseguem redução de 75% no Imposto de Renda (IR) calculado com base no lucro. Entre outros pontos, a legislação permite ainda a retenção de 30% do IR devido como depósito para reinvestimento, medida que serve de estímulo aos projetos de modernização ou compra de equipamentos.
Se o relatório de Braga passar, as concessionárias “teriam de reinvestir lucros retidos, prejudicando CAPEX e VPL (Valor Presente Líquido)”, avaliaram os analistas do BTG.
TETO DE SUBSÍDIOS, ETC
A MP 1.304 também propõe diversas outras alterações no marco legal do setor elétrico, incluindo um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo cobrado na conta de luz para custear políticas públicas que vão do Luz para Todos a subsídios a fontes renováveis de energia e placas solares em telhados.
A CDE seria congelada nos níveis previstos para este ano, próximos de R$50 bilhões. Se o custo passar disso, seria criado um encargo para custeá-los, e a ser pago pelos próprios beneficiados dos subsídios, exceto os beneficiados pelo Luz para todos e consumidores de baixa renda. A medida pode afetar os beneficiados com incentivos, como empresas de renováveis.
Por outro lado, a proposta de reforma no setor elétrico também prevê possibilidade de que parte dos cortes de geração de usinas eólicas e solares, causados por limitações da rede elétrica, possa ser repassada às tarifas, com cálculo retroativo desde setembro de 2023– um alívio parcial para companhias do setor, que vêm sofrendo perdas de receita. Mas não haveria reparação para as restrições de geração associadas à falta de demanda.
A medida relatada por Braga surgiu originalmente como tentativa de mitigar impactos de “jabutis” aprovados em outro projeto do setor, sobre eólicas offshore. Depois que a MP 1300 foi reduzida ao programa Luz do Povo, de ampliação da tarifa social de energia, para facilitar aprovação no Congresso antes que o texto caducasse, a MP 1.304 virou veículo de uma reforma setorial mais ampla.
(LC | Edição: Luca Boni | Comentários: equipemover@tc.com.br)