Ex-CFO apresenta defesa à Justiça

Broedel acusa Itaú de armação para "destruí-lo" após saída do banco

Broedel acusa Itaú de armação para "destruí-lo" após saída do banco
Reprodução/YouTube Itaú

Em contestação judicial de 89 páginas, ex-CFO diz que banco manipulou provas, violou sigilo bancário e cobra R$ 15,4 milhões em recursos retidos pela instituição

O executivo Alexsandro Broedel, ex-diretor financeiro do Itaú Unibanco, apresentou uma defesa explosiva à Justiça, obtida com exclusividade pelo FLJ. Em um documento de 89 páginas, ele acusa o maior banco privado do país de fabricar uma acusação fraudulenta para retaliá-lo por ter recusado convite para continuar na instituição e aceitado proposta do concorrente Santander.

Na peça, a defesa de Broedel sustenta que o Itaú violou seu sigilo bancário, ocultou provas relevantes de sua inocência e ainda forjou uma campanha de mídia para inviabilizar sua nomeação internacional. Procurado, o Itaú disse que não teve acesso aos documentos, e por isso não comentará de imediato, mas acrescentou que “reapresentará documentos que comprovam que tais colocações são absolutamente infundadas”.

Segundo Broedel, a ofensiva do banco teve início poucas semanas após ele comunicar sua saída, em junho de 2024. A “apuração interna” que embasaria as acusações de conflito de interesses — feitas com estardalhaço à imprensa — teria sido concluída em menos de um mês. “Uma fraude não se comete por meio de contas monitoradas pelo próprio banco”, ironiza a defesa.

O enredo: de consultorias a “escândalo fabricado”
O caso gira em torno da contratação de pareceres técnicos prestados por Eliseu Martins, professor emérito da USP e maior nome da contabilidade no país. Por décadas, Eliseu foi consultor do banco, tendo seus serviços requisitados por diferentes diretorias. A relação entre ele e Broedel — de longa data, pública e celebrada — foi usada pelo Itaú para alegar um “esquema de repasses”: o banco afirma que cerca de 40% dos pagamentos feitos a Eliseu eram transferidos de volta a Broedel, indiretamente, por meio de consultorias e empresas como a Broedel Consultores.

Broedel afirma que essa acusação é inteiramente falsa — e que o Itaú sempre soube da existência da sociedade com Eliseu, inclusive constando dos sistemas internos de compliance e de relatórios de partes relacionadas.

Entre os documentos apresentados por sua defesa, estão e-mails internos com diretores do banco, formulários arquivados que registram a sociedade com Eliseu, tabelas de controle preenchidas por áreas jurídicas e até cópias de mensagens de WhatsApp trocadas entre Broedel e o diretor responsável pela área de pagamentos. Os prints mostram que Broedel submetia os termos dos contratos para aprovação e solicitava que os pagamentos não fossem processados antes da entrega dos serviços.

“O banco mente ao dizer que desconhecia a Broedel Consultores e a relação entre seus sócios”, diz a contestação. “E mesmo conhecendo todos os fatos, optou por ocultar documentos e apresentar uma versão distorcida à Justiça e à imprensa.”

O acordo com Eliseu: o ponto de inflexão
O episódio mais sensível da disputa judicial envolve Eliseu Martins. Em maio, o banco fechou um acordo com o professor, no qual ele se comprometeu a devolver R$ 2,5 milhões. A operação foi interpretada — e amplamente divulgada — como uma “confissão” de culpa.

Para Broedel, o acordo é uma peça de chantagem. A defesa afirma que o banco pressionou Eliseu a aceitar o acerto como única forma de pôr fim à perseguição a seus filhos, um dos quais teria sido demitido do Insper por influência do Itaú. Em troca, Eliseu teria assinado cláusulas ambíguas, que depois foram distorcidas pelo banco para “construir a narrativa da confissão”.

O próprio Eliseu, em entrevista à Folha de S.Paulo, deu outra versão:

“Devolvi o que me era devido para encerrar, aos 80 anos, essa maluquice. Principalmente pelo envolvimento injusto dos meus filhos.”

A frase virou munição da defesa. “Quem paga o que entende não dever para poupar seus filhos pode, muito bem, afirmar o que não concorda, com o mesmo propósito”, argumentam os advogados de Broedel.

Violação de sigilo e “tabelas forjadas”
A defesa acusa ainda o Itaú de ter violado o sigilo bancário de Broedel, da Broedel Consultores e de Eliseu Martins, entregando dados truncados à imprensa. As transferências listadas pelo banco teriam sido organizadas de forma a parecerem percentuais fixos de “comissão” (os tais 40%), omitindo deliberadamente repasses feitos na direção contrária — ou que não se encaixavam no enredo da acusação.

“A tabela foi manipulada para escandalizar. Os valores de Eliseu para Broedel foram exibidos; os de Broedel para Eliseu, ocultados. As datas foram reordenadas para caber no roteiro da farsa.”

Reconvenção: Broedel cobra o banco
A peça apresentada à Justiça não é apenas uma defesa. É também um contra-ataque. Broedel cobra o pagamento de R$ 15,4 milhões em bônus e ações que teriam sido retidos pelo banco de forma ilegal. Ele alega que já havia adquirido esse direito antes de sua saída, e que o Itaú está “se locupletando indevidamente de serviços prestados”.

Mais do que isso, pede que o banco seja condenado por litigância de má-fé. “A inicial é uma peça de ficção, mas não como fruto da imaginação — e sim de uma maldade metódica”, escreve o advogado Bruno Poppa.

Fim do jogo ou começo?
Com ações cruzadas e um inquérito criminal ainda em andamento, o caso Broedel x Itaú deve se arrastar. Mas sua dimensão já ultrapassa os autos. Exposto à mídia, o episódio virou um símbolo das disputas corporativas de alta voltagem — aquelas em que reputações são destruídas antes que qualquer tribunal tenha julgado os fatos.

Se a Justiça aceitar como verdadeiras as alegações da defesa, o Itaú terá fabricado o maior escândalo corporativo… sem escândalo. Caso contrário, Broedel será condenado na ação movida pelo banco, que cobra R$ 9,9 milhões de indenização por suposto conflito de interesses e contratação simulada de pareceres técnicos.

Procurado pela reportagem do FLJ, o Itaú disse que “a defesa foi protocolada em sigilo e, por isso, o Itaú Unibanco não comentará”. “Nos próximos dias, o banco reapresentará documentos que comprovam que tais colocações são absolutamente infundadas”, acrescentou, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa.