Exclusiva do Faria Lima Journal

Governo deve restringir autoprodução de energia por empresas em reforma do setor elétrico, dizem fontes

Governo deve restringir autoprodução de energia por empresas em reforma do setor elétrico, dizem fontes
Luciano Costa/FLJ

São Paulo, 19/03/2025 – Um projeto de reforma do setor elétrico prometido pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deverá propor restrições a parcerias em que empresas de outros segmentos se associam a geradoras para ter acesso a energia renovável mais barata, um modelo conhecido como “autoprodução”, disseram fontes ao Faria Lima Journal e à Mover, unidade de notícias da plataforma de informações para investidores TC.

Nos últimos anos, companhias de diversos portes e indústrias, como BRF, L´Oreal, Tivit, Moura, Vulcabras, Heineken, Honda, Grendene e outras, fecharam acordos nesse formato com elétricas incluindo Engie, Cemig, Auren, AES Brasil, Serena Energia e Comerc, da Vibra Energia, viabilizando bilhões de reais em investimentos principalmente em novas usinas eólicas e solares.

Essas parcerias se tornaram atrativas porque empresas caracterizadas como autoprodutoras, que detêm participação direta no controle de ativos de geração, deixam de pagar diversos encargos na conta de luz, como incentivo aos investimentos. Há uma visão no governo, no entanto, de que o excesso de grupos buscando esse benefício passou a onerar demasiadamente os demais consumidores de energia, como os residenciais, disseram as fontes, que pediram anonimato.

Na mira da reforma do governo está um arranjo conhecido como “autoprodução por equiparação”, em que uma empresa se torna sócia de uma geradora em um projeto específico, geralmente de geração renovável, para ter acesso a uma parcela da energia produzida sem pagar parte dos encargos que tradicionalmente pesam na conta de luz, mas em algumas ocasiões sem nem participar com parte relevante do investimento, a depender das condições contratuais e arranjos societários entre as partes.

“Há alguns arranjos em que a empresa que vai consumir a energia se livra do encargo setorial, mas nem investe. Quem investe é o gerador, e no fim eles fazem funcionar como se fosse um contrato de venda de energia. Isso, nitidamente, eles estão fazendo para fugir dos encargos (na conta de luz)”, explicou uma fonte, acrescentando que na visão do governo isso acaba onerando os demais consumidores, que não têm autoprodução.

Segundo a fonte, o plano em discussão hoje é estabelecer uma carga mínima, proposta inicialmente em 30 megawatts, e um montante mínimo de participação da empresa autoprodutora na sociedade constituída para tocar o projeto em conjunto com o gerador, que seria de 30% do capital social total.

“A ideia é dar uma limitada, passar uma linha de corte, para dar uma racionalidade econômica também. Exigir participação do autoprodutor como investidor, não só com um aporte mínimo ali. Vai ter que colocar ‘equity'”, explicou a fonte sobre os planos de Brasília.

MERCADO ‘BOMBANDO’

O Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ) avaliou, em estudo, que havia 42 empresas habilitadas como autoprodutores de energia em 2013, número que praticamente dobrou para 81 em 2021. A capacidade de geração que atende essas companhias era de 3,5 gigawatts em 2021, e está estimada para alcançar 15 GW em 2026.

“Esta vertente de modelagem dos projetos de geração de autoprodução tornou-se, assim, um dos principais vetores de expansão do parque gerador nacional, agregando, em média, segundo estimativas preliminares, cerca de 4 GW/ano. A questão é que, em paralelo a este crescimento expressivo, é endereçado para o mercado cativo um ônus crescente derivado do subsídio cruzado, que não está sendo precificada pelas autoridades governamentais”, apontou o Gesel em sua análise, ainda em 2022.

REFORMA E PRAZOS

O ministro Silveira tem prometido desde o ano passado um projeto de lei ou medida provisória para reformar a regulamentação do setor elétrico, que segundo ele será enviado ao Congresso em até 60 dias. O texto está sendo fechado com a Casa Civil, em meio a preocupações do governo com eventuais reações negativas ou “fake news” de políticos da oposição sobre a proposta, após recentes episódios envolvendo medidas de fiscalização de transferências ´pix´.

Em diversas ocasiões, Silveira afirmou que as medidas buscarão corrigir “distorções”, como um “efeito Robin Hood” nas tarifas de energia, com os consumidores residenciais e mais pobres pagando mais enquanto grandes empresas têm acesso a energia mais barata. O próprio presidente Lula também já criticou os custos mais baixos para empresas em discurso, o que chamou de “um absurdo”.

Há uma preocupação no governo, porém, de evitar uma “corrida ao ouro” de empresas buscando aproveitar o benefício para autoprodutores antes que ele seja restrito. Segundo as fontes, para isso está sendo estudada alguma “linha de corte”, uma etapa a partir da qual projetos que já estivessem em fase avançada de negociação entre as partes poderiam avançar e ter direito ao benefício.

A preocupação é evitar o que ocorreu com planos de retirar um incentivo à geração renovável, quando um “prazo de transição” para que empresas ainda tivessem acesso a descontos tarifários resultou em uma disparada astronômica no número de interessados, gerando pressão nas tarifas. Essa checagem poderia ser feita por alguma instituição técnica do setor, como a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), disse a fonte.

EFEITOS NO MERCADO

As potenciais mudanças nas regras já geram preocupações no mercado, uma vez que contratos de parceria em autoprodução se tornaram o nicho mais aquecido do mercado nos últimos anos, com diversas geradoras fechando associações para construir parques eólicos e solares que fornecem a energia produzida para empresas.

“É isso que está movimentando o mercado. Se mexer e parar (com as operações), vai impactar bastante os negócios das empresas”, disse uma fonte que trabalha para grupos de geração e autoprodutores.

Uma fonte defendeu a intenção do governo de tentar forçar autoprodutores a participar com parcela maior dos investimentos em novas usinas em troca dos benefícios de isenção de encargos, mas criticou a ideia de restringir essa modalidade a grupos com consumo maior.

“Vai criar uma distorção, na medida em que competidores em um determinado mercado não terão direito a ter um mesmo custo de energia tão somente pelo tamanho da carga. Não é isonômico”, explicou. A fonte também mostrou preocupação com o fato de a CCEE ou governo terem acesso a informações sensíveis dos contratos entre autoprodutores e geradores, que não são públicos.

Para uma segunda fonte, restringir os arranjos de autoprodução penalizará algumas empresas, que deixarão de ter acesso a essa energia mais competitiva, mas será questão de “deixar o anel para preservar os dedos”, uma vez que as atuais regras começavam a ser vistas com insustentáveis no longo prazo e poderiam no limite levar ao fim dos benefícios para todos.

Entre as companhias classificadas como autoprodutores estão gigantes eletrointensivas como Alcoa, Braskem, ArcelorMitral, CSN, Gerdau, Suzano e Vale. Mais recentemente, empresas como CCR, Grendene, Grupo Angeloni e Ypê também fecharam acordos nessa modalidade.