Por: Patricia Lara, Eduardo Puccioni e Fabrício Julião
O Comitê de Política Monetária do Banco Central enfatizou que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado, segundo ata divulgada nesta terça-feira sobre o encontro da semana passada em que o Copom manteve a taxa Selic inalterada em 13,75%.
O colegiado acenou para a Fazenda ao avaliar o compromisso com a execução do pacote fiscal, o que já foi identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, o que atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo.
“Ademais, o Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo governo e votado no Congresso”, cita a ata no parágrafo 18.
Segundo o documento, para que haja uma relação direta entre a ancoragem da inflação e as novas regras fiscais, é preciso verificar se como a âncora irá refletir na mudança de expectativas do mercado. “O Copom enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal, uma vez que a primeira segue condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos”, diz o texto.
No parágrafo 17, o Copom nota aperto adicional nas condições para concessão de crédito em algumas modalidades. Alguns membros avaliaram que tal movimento está em linha com o esperado, considerando a elevação de juros empreendida até meados do segundo semestre de 2022.
“Para tais membros, deve-se esperar ainda um aumento da inadimplência e uma desaceleração na concessão do crédito, mas em linha com o que se observou em ciclos anteriores de aperto de política monetária”, diz o texto.
O documento pontuou a importância de as taxas de juros de mercado manterem-se sensíveis à taxa básica Selic.
O documento do Banco Central é divulgado após nova rodada de críticas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo BC. Ontem, as críticas partiram da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB). Ela disse que, apesar de a decisão sobre a taxa Selic ser técnica, a ata e o comunicado do Copom têm força política, e por isso devem receber posicionamento do governo. Durante evento da Arko Advice, em São Paulo, a ministra disse ainda que o Banco Central precisava tomar mais cuidado com as palavras.
Em relação ao mercado de trabalho, o Copom observou evidências de desaceleração moderada, compatível com a expectativa do comitê de uma moderação do ritmo da atividade econômica.
No parágrafo 14, o colegiado diz que alguns membros observaram que há um movimento de recomposição parcial das perdas recentes nos salários reais. Esse movimento é esperado e vem acompanhado de desaceleração nos ganhos nominais, o que deve se acentuar à frente.
Juro neutro de 4%
O Copom enfatizou que a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária, como já observado em comunicações anteriores, segundo a ata de seu encontro de 21 e 22 de março divulgada nesta manhã.
Neste momento, o colegiado optou por manter a taxa neutra de juros em 4%, mas avaliou cenários alternativos. O comitê identificou que os impactos de uma elevação da taxa neutra sobre suas projeções crescem no tempo e passam a ser mais relevantes a partir do segundo semestre de 2024.
A Selic é a taxa de juros nominal fixada pelo Copom e usada como instrumento de política monetária, aumentando ou diminuindo para conter a inflação ou estimular a atividade econômica. Já a taxa neutra é aquela que nem estimula e nem desestimula a economia.
Ancoragem das expectativas de inflação
O Copom foi sutil e assertivo ao explicar as razões para a manutenção dos juros em 13,75% ao ano e como a entrega do novo arcabouço fiscal pode auxiliar na ancoragem das expectativas de inflação, na visão do economista-chefe da gestora Ryo Asset, Gabriel Barros.
“Não foi uma ata de muitas novidades, mas foi importante, pois dialoga bem com a política e oferece esclarecimentos de como o fiscal pode ajudar no processo desinflacionário, a conter as expectativas de longo prazo”, disse.
Segundo ele, o Copom deixa claro que não existe relação mecânica entre convergência e apresentação do Arcabouço, mas que a apresentação de um projeto crível e sólido depende do governo e pode ser bem-vinda para combater a inflação de longo prazo, considerada inercial.
Barros acredita que haverá redução da Selic no segundo semestre do ano, mas para ele o corte deve ocorrer mais em função da desaceleração da economia que em razão de um novo arcabouço fiscal sólido e crível.
“Não estou muito otimista em relação ao projeto que será apresentado como nova regra fiscal. Por outro lado, acho que a desaceleração da economia está sendo maior do que tem sido precificado pelo mercado”, declarou.
Pedra no sapato do BC
A deterioração da desancoragem das expectativas inflacionárias de médio e longo prazo continua sendo a pedra no sapato para o Banco Central não alterar sua política monetária, na visão do coordenador da FGV-EESP, Márcio Holland.
Segundo Holland, que ocupou a Secretaria de Política Econômica no governo Dilma Rousseff, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) desta terça-feira reforçou o objetivo da entidade de ficar vigilante com a inflação, diminuindo as chances de uma redução da Selic em maio, na visão do economista.
“Neste cenário, não há razões ainda para um corte de juros na próxima reunião do Copom. Além da perspectiva inflacionária, está se desenhando um arcabouço fiscal desidratado, que vai perdendo o brilho e dando indícios de que será conivente com o aumento de gastos públicos”, destacou Holland.
“Isso é muito ruim pois não ajuda a ancorar as expectativas de inflação de médio e longo prazos, e o BC precisa chegar à meta em algum momento. As chances de não conseguir entregar a inflação dentro do teto no ano que vem são reais”, acrescentou.
O economista destacou ainda o peso maior dado à crise bancária internacional nesta ata, o que sinaliza que o BC continua monitorando a desaceleração da economia mundial e pode ajudar com eventuais mecanismos de liquidez, principalmente em casos de deterioração na concessão de crédito no cenário doméstico.
Inflação é prioridade
O Copom afirmou que seguirá acompanhando com atenção a liquidação de alguns bancos nos Estados Unidos e a fusão entre UBS e Credit Suisse, na Suíça, e possíveis canais de contágio ao sistema financeiro brasileiro. Contudo, a autoridade monetária deixou claro que seu compromisso primário é de combater a inflação.
Diante deste cenário, a ata da última reunião do Copom destacou que o cenário se mostra ainda mais desafiador para a condução da política monetária, com aumento dos riscos tanto em torno do cenário inflacionário quanto em relação à estabilidade financeira.
“Por um lado, há os episódios envolvendo o setor bancário e a consequente necessidade de se prover liquidez. Por outro lado, os dados de crescimento e inflação globais se mantêm resilientes, exigindo empenho e determinação das autoridades monetárias”, explicou a ata.
Recentemente, especialistas de mercados questionavam se o BC iria atuar deixar de lado a luta contra a inflação para conter uma crise no sistema financeiro, mas a autoridade monetária responde na ata que “o comitê avalia que a melhor contribuição da política monetária segue sendo no combate a pressões inflacionárias e na suavização de flutuações econômicas”.
“Além disso, alguns membros enfatizaram que tampouco veem dilema na condução da política monetária entre seu objetivo de controle da inflação e o objetivo de estabilidade financeira. O Comitê ressaltou a separação de instrumentos entre os dois objetivos”, ponderou o Copom.