Especialistas comentam para o FLJ

Obstáculos da Reforma Tributária

Unsplash
Unsplash

A intenção da Reforma Tributária (RT) é modernizar e tornar mais eficiente o sistema de tributos. Mas a transição para o novo modelo, e o novo modelo em si, apresentam obstáculos que impactam negativamente tanto empresas quanto cidadãos. O FLJ ouviu ministros de tribunais superiores e especialistas, como Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, e listou 9 potenciais entraves (abaixo) decorrentes da Reforma.

1. Aumento da judicialização e do ativismo do judiciário sob a tese da instabilidade jurídica.

A RT constitucionalizou praticamente todo o IVA; por consequência, o Judiciário/STF poderão ser acionados para praticamente todas as fases do tributo;

2. Transição Prolongada e Complexa

A transição para o novo sistema tributário, que inclui a implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), é uma das maiores preocupações. O longo período de convivência entre o sistema atual e o novo pode resultar em uma desorganização do sistema de preços, principal sinalizador da economia. Todos os problemas e distorções do ICMS foram mantidos, e ainda existem pendências de decisões dos tribunais. Esse cenário pode gerar reflexos negativos na produção, comercialização e nos serviços, impactando diretamente o mercado de trabalho e os níveis de emprego. Isso sem contar os custos tecnológicos para a implantação do IBS, para a contabilização do imposto pago nas etapas intermediárias e o seu creditamento na fase final/consumo. É uma preocupação objetiva para o planejamento do contribuinte.

3. Redistribuição das Quotas-Partes

A mudança na regra de repartição das quotas-partes projeta um cenário otimista para municípios menores, mas traz incertezas para as grandes cidades, que podem ser as maiores perdedoras. A redistribuição dos recursos pode resultar em um deslocamento da maior parte dos investimentos adicionais para o consumo ou gastos com pessoal, prejudicando potencialmente os investimentos em infraestrutura e serviços públicos essenciais nas grandes metrópoles.

4. Fundos de Compensação e Financiamento

Uma das questões cruciais é a fonte de recursos para os fundos que serão bancados pelo governo federal. Dado que o governo é deficitário e possui compromissos com o “arcabouço fiscal”, serão necessárias novas fontes de financiamento. Sem uma definição clara, existe o risco de aumento da carga tributária. A necessidade de elevar impostos, mesmo que não diretamente sobre o consumo, pode contrariar a premissa de que a reforma não aumentará a carga tributária geral.

5. Inovação Controversa: Split Payment

Em termos gerais, o “Split Payment” consiste em uma sistemática em que se altera o momento do recolhimento dos tributos, antecipando-os para o momento da liquidação financeira da operação. Atualmente, o fornecedor recebe o valor cheio, embutidos os tributos incidentes, e no final do período de apuração (geralmente mensal), ele recolhe aos cofres públicos apenas a diferença entre os créditos e os débitos existentes, de acordo com sua apuração. A proposta de utilizar o Split Payment de forma generalizada no Brasil é controversa. Estudos, como o da Delloite de 2017 para a OCDE, apontam que, embora eficaz na redução de fraudes, a aplicação ampla do Split Payment pode aumentar significativamente os custos para empresas e autoridades, devido à complexidade do sistema e ao impacto no fluxo de caixa das empresas.

6. Inovação controversa – A auto liquidação

Sistema onde o IVA seria cobrado do comprador em cada operação. Também enfrenta críticas. Relatórios da OCDE de 2022 indicam que esse mecanismo é geralmente limitado a setores vulneráveis a fraudes. Aplicá-lo de forma mais abrangente poderia aumentar a complexidade para as empresas e os riscos de fraude no varejo, além de transformar o IVA em um imposto sobre vendas ao consumo, concentrando riscos de receita na fase de venda final.

7. Cesta Básica e CashBack

A reforma inclui a criação de uma “cesta básica complementar” e um sistema de devolução de impostos (CashBack) para consumidores de baixa renda. Essa medida, embora positiva em termos de inclusão social, ignora as particularidades regionais e pode aumentar a complexidade burocrática. A regulamentação extensa do CashBack revela a intricada logística necessária para sua implementação, o que pode gerar altos custos operacionais. Além do custo e da complexidade para o setor produtivo, o CashBack tem o inconveniente social de prever um “capital de giro” dos setores de menor renda que pretende beneficiar (devolução de tributo?). Simplificação deveria ser o objetivo norteador;

8. Instabilidade federativa

Uma das maiores preocupações dos contribuintes é a instabilidade gerada pela necessidade de ajustes periódicos nas alíquotas para manter o equilíbrio federativo. A União deverá financiar quatro fundos para viabilizar a reforma e reduzir desigualdades, mas sem uma fonte de recursos clara, há incertezas sobre a sustentabilidade financeira dessas medidas. Especialistas estimam que seriam necessários entre 15 e 20 bilhões de reais por ano, por um longo período.

9. Sistemática de pagamento do IBS: há três formas previstas, sendo a principal o split pay (citado no item 5, acima).

Houve a inclusão no Substitutivo da Câmara da continuidade do Creditamento Escritural do IBS nas operações para as quais o sistema do Split Pay não estiver implementado. Mas coração da reforma do IBS é a não Cumulatividade (creditamento automático do tributo pago pelo fornecedor nas fases anteriores) e a garantia do pagamento do Crédito Tributário (garantido pelo Comitê Gestor). Parece ser um risco a manutenção do status quo do ICMS se esses dois princípios não forem garantidos desde o início da implementação plena do IBS (depois da fase de teste).

A reforma tributária, apesar de necessária, apresenta uma série de desafios e riscos para os contribuintes. A transição prolongada, a redistribuição de recursos, as inovações controversas e a complexidade burocrática são apenas alguns dos obstáculos que precisam ser enfrentados. O sucesso da reforma dependerá da capacidade do governo de fornecer suporte adequado e transparência durante a implementação, minimizando impactos negativos e garantindo que os benefícios prometidos sejam alcançados. A segurança jurídica e a estabilidade econômica são fundamentais para que a reforma cumpra seu papel de modernizar o sistema tributário brasileiro de forma eficaz e equitativa.