Queda da inflação será temporária e plano fiscal "não parece parar em pé", diz Marcos Lisboa

Integrante da primeira gestão do PT, economista diz que Lula deveria tirar "o foco exagerado'" do BC e cuidar de governar

Insper/Reprodução
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Por Márcio Aith

A desaceleração da inflação é temporária e o arcabouço fiscal é “incrivelmente complexo e não parece parar em pé”, afirmou o presidente do Insper, Marcos Lisboa, em entrevista exclusiva ao Faria Lima Journal (FLJ) nesta quarta-feira (12).

Lisboa foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do próprio governo Lula entre 2003 e 2005 e hoje é diretor-presidente do Insper.

Para ele, a desaceleração da inflação nos últimos e próximos meses é apenas reflexo de “medidas marotas de tributação”, como as feitas pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Ele relembra também que na gestão Dilma houve um recuo da inflação pelos mesmos motivos artificiais.

“A gente teve, por exemplo, a intervenção do preço da energia em 2013. Tivemos também a intervenção nas tarifas públicas e nos preços dos combustíveis, naquela época. Com isso, a inflação baixou”, afirmou Lisboa.

Ele também comenta que os núcleos da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) sugerem que a inflação, depois de cair artificialmente, deve depois retomar fôlego.

Uma das formas de controlar a inflação seria o governo se mostrar fiscalmente sustentável. No entanto, Lisboa afirmou que o arcabouço fiscal apresentado nos últimos dias não possui uma base sólida.

“É muito difícil comentar sem ter a medida detalhada, apenas algo que está tão vago quanto aquela apresentação em PowerPoint. Meu receio é que o conjunto da obra seja inconsistente”, explicou.

Segundo ele, a proposta do governo de taxar casas de apostas e as varejistas chinesas como Shein e Shopee não deve suprir a necessidade de arrecadação para que as metas da proposta fiscal sejam alcançadas.

“Se depender disso, a conta não fecha. Eles terão que aumentar significativamente a receita para cumprir com o que foi acordado, pois o que prometeram é impressionante”, detalhou o economista. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estabeleceu como meta zerar o déficit primário em 2024, mas as projeções do mercado apontam para um déficit de 0,80% do PIB.

Para mais detalhes sobre o pensamento do economista e integrante da primeira gestão de Lula, leia a íntegra da conversa entre Lisboa e Márcio Aith, editor-chefe do FLJ.

Leia a entrevista completa:

Márcio Aith: A inflação brasileira está menor que a dos EUA pelo sétimo mês consecutivo. Isso reforça no Presidente Lula e equipe a crença de que nosso problema não é de inflação alta, mas de juros altos. Como convencê-lo do contrário se nossa inflação é mais baixa que a americana?

Marcos Lisboa: A gente tem, em geral, uma inflação mais alta e mais resiliente do que a dos países desenvolvidos. Por vezes, a inflação fica mais baixa por meio de medidas muito oportunistas, não recorrentes. A gente teve, por exemplo, a intervenção do preço da energia em 2013. Tivemos também a intervenção nas tarifas públicas e nos preços dos combustíveis, naquela época. Com isso, a inflação baixou. Agora, por exemplo, o IPCA vai ficar baixo. Ele vai cair nos próximos meses, bastante, mais por medidas marotas de tributação do que por fundamentos. A inflação deverá cair, mas o núcleo do índice ainda está alto e preocupa. Além disso, o Brasil é um país de muita incerteza, de muita mudança de regra e jurisprudência. Isso leva o prêmio de risco do país a ficar muito alto.

Márcio Aith: Explique melhor essa afirmação de que a inflação brasileira deverá cair nos próximos meses.

Marcos Lisboa: Em parte por causa do efeito comparação com o mesmo período do ano passado, quando o índice estava alto. Em parte por fatores não recorrentes como as intervenções nos tributos de energia e combustíveis. Então vai ser uma queda temporária da inflação. Mas, repito, quando você olha os núcleos dos índices, o quadro é outro. Então, provavelmente estaremos celebrando uma baixa da inflação que será temporária.

Márcio Aith: O que diz a experiência mundial sobre aumento de juros em ambientes inflacionários?

Marcos Lisboa: Existe muita pesquisa acadêmica que acompanha a política monetária de vários países ao longo de décadas. O modelo de Metas de Inflação é muito bem sucedido. Países que tentaram baixar os juros com a inflação acima da meta fracassaram. A Turquia é o exemplo recente mais grave. Disseram explicitamente “vamos baixar juros para baixar a inflação”. Eles baixaram os juros e a inflação subiu. O Brasil tentou isso na época do governo Dilma, na gestão Tombini no BC. A inflação, no meio de 2011, estava acima da meta. O Banco Central baixou o juros de maneira surpreendente e continuou baixando nos meses seguintes. O resultado foi que a inflação voltou a subir. E, ao contrário da expectativa de quem defendia a medida, a economia brasileira desacelerou a partir de 2011. Então, como resultado: você baixou os juros, a inflação subiu, a economia desacelerou e a geração de empregos caiu. À exceção de um repique no final de 2013, a gente caminhou para uma recessão de 2014 para 2015. Isso sem contar a nossa vizinha Argentina, que também tentou colocar criatividade em sua política monetária e olha o desastre que ocorreu. Então, as pessoas podem inventar a narrativa que quiserem. A questão é: o que passa no teste da experiência histórica? Certamente não é possível abaixar os juros com inflação acima da meta.

Segundo Lisboa, o Brasil baixou juros com a inflação alta na época do governo Dilma, o resultado foi negativo (Imagem: Agência Brasil)

Márcio Aith: Qual é a sua avaliação sobre o arcabouço fiscal apresentado pelo governo?  

Marcos Lisboa: Acho que o mercado celebrou por ter pelo menos algum tipo de regra e pela meta de primário. Quando você olha o conjunto da obra do tal arcabouço fiscal, ele é incrivelmente complexo, e não parece parar em pé. As pessoas estão comentando muito mais as metas de primário do que o tal do arcabouço. É muito difícil comentar sem ter a medida detalhada, apenas algo que está tão vago quanto aquele PowerPoint. Mas fico com receio que o conjunto da obra seja inconsistente. Então, de novo, nós vamos ter bons números na economia, nos próximos meses, sobretudo na inflação, acho que vai haver uma certa celebração com o fato de haver pelo menos o anúncio de primário. Mas não sei a que medida isso é sustentável a médio prazo. Ficaremos esperando sair a LDO e a lei detalhando o arcabouço, enfim, a proposta do governo para o orçamento, para ver como fica.

Márcio Aith: O que você achou do arcabouço sob o ponto de vista das despesas?

Marcos Lisboa: A despesa, aparentemente, o governo não quer discutir. Isso é uma dificuldade muito grande que existe no Brasil. De você discutir a eficácia da política pública. Conferir quais funcionam, quais não funcionam. No Brasil, você vai só empilhando política pública em cima de política pública sem avaliar resultado. Você tem uma quantidade imensa de políticas que não são avaliadas. Por exemplo, as políticas regionais, todos os subsídios dos fundos constitucionais, regionais, Sudene, a Companhia do Vale do São Francisco. A gente não avalia a eficácia e não consegue melhorar a gestão da política pública. Vale a pena lembrar que o Bolsa Família, que foi um programa muito bem sucedido, e que não implicou em novos recursos. Ele pegou o que já existia, em 2003, e unificou vários programas de transferência de renda para criar algo melhor. Parece que no Brasil aquela experiência já foi esquecida. O que se quer fazer é gastar mais. Parece não existir compromisso com a qualidade da política pública, com a gestão mais eficiente dos recursos arrecadados da sociedade.

Márcio Aith: E do lado das Receitas?

Marcos Lisboa: Ficou praticamente óbvio que virá um aumento bastante alto da carga tributária.

Márcio Aith: Mas não lhe parece correto tributar casas de apostas, varejistas estrangeiras e encomendas de pequena monta, por exemplo?

Marcos Lisboa: Se depender disso, a conta não fecha. Eles terão que aumentar significativamente a receita para cumprir com o que foi acordado, pois o que prometeram é impressionante.

Márcio Aith: O ministro Haddad já disse publicamente que não haverá aumento de impostos. Como, então, entregar esse valor impressionante?

Marcos Lisboa: Aí entramos no campo da semântica. O governo terá que arrecadar mais. E, no manual de economia, isso significa aumentar a carga tributária.

Márcio Aith: Como você vê as pressões do Presidente da República sobre o Presidente do Banco Central?

Marcos Lisboa: O BC tem a missão de garantir inflação baixa. Ele controla a taxa de juros de curto prazo. Tudo mais é responsabilidade do governo, do Palácio do Planalto, dos ministérios. O que eles estão fazendo para melhorar a produtividade? Aumentar o crescimento econômico? Reduzir os custos associados ao crédito? Qual é o programa para melhorar a qualidade da Educação? E as políticas sociais, sobre as quais já falei? Nada disso é de responsabilidade do presidente do BC. Tenho como princípio não falar de pessoas em entrevistas. Nesse caso, limito-me a dizer que há um foco exagerado sobre a instituição, sobre o BC.

Todavia, faço uma ressalva de tudo que foi dito ao longo da entrevista. Tem três ótimas equipes no governo. A primeira é a da área social, com Wellington Dias. Eles entendem muito do assunto. A de Renan Calheiros Filho, nos transportes, possui ótimos gestores. E há a reforma tributária de Bernard Appy. Muito importante para o país. Essas seriam as agendas importantes para avançar.


Ainda assim, tenho receio em relação a agenda de curto prazo. Nela, a Receita Federal pode criar interpretações e normas para arrecadar mais, isso pode acabar comprometendo a agenda de reformas estruturais que o país tanto precisa.