Por Marcio Aith
O fantasma da invasão de terras voltou a assombrar o agronegócio brasileiro depois de anos de paz no campo. Nestes dois primeiros meses de governo Lula, ocorreram 11 invasões, mais do que a soma de todas as ocupações de terra em 2021.
Recentemente, três fazendas de cultivo de eucalipto na Bahia pertencentes à indústria de papel e celulose Suzano em Teixeira de Freitas, Mucuri e Caravelas, no sul do Estado, foram invadidas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), entidade que havia submergido no governo de Jair Bolsonaro e que reapareceu assim que Lula assumiu.
De acordo com informações da CNN, na sexta-feira, a justiça determinou a desocupação da área em Teixeira de Freitas, e a juíza Lívia de Oliveira Figueiredo determinou o uso de força policial caso os invasores resistam à determinação. Antes, já havia essa decisão para a área em Mucuri. Em Caravelas, o processo para desocupação segue em análise.
O MST cobra o cumprimento de um acordo assinado em 2011 para a posse de terras nos municípios de Teixeira de Freitas, Mucuri e Caravelas para famílias rurais.
Neste final de semana, José Rainha, notório invasor de terras, foi preso em São Paulo, suspeito de extorquir dinheiro de donos de propriedades rurais na região do Pontal de Paranapanema. Pouco antes, durante o carnaval, Rainha liderou a invasão de oito fazendas no Pontal, e uma no Mato Grosso do Sul. O presidente Lula não condenou publicamente nenhuma dessas invasões. Seu ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, experiente parlamentar, também não comentou.
Em entrevista exclusiva ao FLJ, Teixeira disse que só foi tomar conhecimento das invasões a partir do contato da Suzano, que pediu ao ministro a determinação da retirada dos invasores. O ministro atendeu o solicitado, pedindo a saída do MST, e marcou uma reunião com as partes nesta quarta-feira para resolver o impasse.
Segundo Teixeira, sua prioridade é “acelerar o programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar” e, com relação às ocupações, o ministro deseja assegurar que o “diálogo seja o canal de resolução desses conflitos”. Confira a seguir e entrevista na íntegra:
Marcio Aith: Como o governo Lula tem lidado com essas novas invasões de terra?
Paulo Teixeira: Olha, esse tema, essas novas ocupações, eu tomei conhecimento quando fui procurado pela Suzano. O vice-presidente da Suzano me ligou. Ele me ligou na quarta-feira, eu atendi na quinta, e ele então relatou essa ocupação. Ele me pediu para fazer uma mediação junto ao MST. E aí liguei para o MST, para saber as razões dessa ocupação e eles me disseram que eles fizeram um acordo no passado [dez anos atrás] que não foi cumprido pela Suzano. Não apenas não foi cumprido como o movimento não conseguia mais falar com a Suzano, e por essa razão a ocupação teria esse objetivo;. o de retomar a negociação para cumprir o acordo. Só que a condição que a Suzano tem para sentar-se à mesa com eles é que saiam de lá. Eu pedi para eles saírem [não saíram], e deixei marcada uma reunião para quarta-feira desta semana. Enfim, meu trabalho no ministério é acelerar o programa de reforma agrária e de apoio à agricultura familiar. Quanto às ocupações, tentamos garantir que o diálogo seja o canal de resolução desses conflitos.
Marcio Aith: Por que o número de invasões de terra despencou no governo Bolsonaro e ressurgiu agora com força?
Paulo Teixeira: O Bolsonaro não desapropriou um centímetro de terra. Desistiu de todas as ocupações e acionou processo de ameaças e violência. Ele meteu o terror com o negócio de armas, e tal, né? O grande programa que ele teve para o campo foi o de armamento, né. Então, meteu o medo.
Marcio Aith: E agora, essas prisões em São Paulo, como você classifica? A do José Rainha, principalmente?
Paulo Teixeira: Não posso comentar porque não conheço o processo.
Marcio Aith: Você sabe que até o presidente do Sistema Ocesp (Organização das Cooperativas de São Paulo), entidade que representa, acima de tudo, uma economia democrática, condenou as invasões de terra e aplaudiu a prisão de José Rainha. O medo de todo o setor é o de que, com o novo governo, uma nova guerra no campo seja instalada.
Paulo Teixeira: Não, absolutamente, nada vai acontecer. Porque, na verdade, eu tenho colocado para os movimentos que organizam os Trabalhadores Sem Terra, todos eles, que a prioridade nossa vai ser em relação aos processos que estavam parados, na aquisição de áreas. Então eu não acho que haverá nenhum clima de guerra, não. Na verdade, o que a gente tem que fazer é chamar os produtores do Brasil para que cada um ajude os agricultores familiares a modernizarem sua propriedade, então não tem nenhum processo de guerra fria não.
Marcio Aith: Consta que, no governo Bolsonaro, foi distribuído um número recorde de 400 mil titulações de terras, um recorde?
Paulo Teixeira: Nenhum desses papéis foi para assentados. Veja, nós vamos acelerar o programa de reforma agrária, numa estratégia de arrecadação de terras públicas, de discutir com o governo para arrecadar áreas de grandes devedores da União, do INSS, e também de aquisição [de terras], né? Nós vamos fazer um grande programa de estímulo ao fortalecimento da economia da agricultura familiar através de programas como o do crédito do Pronaf, também de assistência técnica e de contas públicas, chamado Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Compras Públicas dos Órgãos Públicos.
Marcio Aith: No que consiste seu programa de biodiesel?
Paulo Teixeira: Os agricultores familiares de várias partes do país podem ser beneficiados com o aumento da produção de biodiesel – estimulada pela elevação do teor de mistura, que hoje representa 10%. A agricultura familiar integra a cadeia produtiva do biodiesel ao fornecer insumos para a fabricação desse biocombustível.
Marcio Aith: O senhor pretende reforçar a lei que destina 30% das compras de merenda escolar para a agricultura familiar? Quais são as orientações que o senhor tem recebido do executivo?
Paulo Teixeira: O que nós estamos querendo é engajar os prefeitos neste programa, ou seja, fazer com que os prefeitos nos ajudem a cobrar (o cumprimento da lei). Hoje, não há o cumprimento desse percentual, né? Então nós, inclusive, vamos pedir para os Tribunais de Contas que peçam aos prefeitos, porque, como é uma lei, faço o trabalho educativo pra gente chegar no mínimo dos 30%. Eu fui a Londrina agora, o prefeito de Londrina compra 100% (dos alimentos) da agricultura familiar. As orientações que o Lula tem dado é de promover uma velocidade dos nossos programas.