Por Lucinda Pinto
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a indicar ontem que a autarquia deve seguir um caminho “prudente” na gestão da política monetária brasileira, evitando atalhos, o que significa que o corte de juros não deve começar no curtíssimo prazo, afirmou o diretor de Pesquisa Econômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.
Em entrevista exclusiva à Mover, Ramos observou que, em sua declaração em um evento em Londres, na Inglaterra, ontem, Campos Neto manteve uma posição de preocupação com a inflação, sem dar sinais mais claros de que está prestes a cortar os juros, a despeito da divulgação do arcabouço fiscal pelo governo.
O presidente do BC reiterou que a batalha contra a inflação “não está ganha”. “Quando se é mais paciente, colhe-se dividendos mais tarde”, disse Ramos. Para o economista, o início do ciclo de redução da taxa Selic deve acontecer em agosto. “Pode ser em junho, a depender do desempenho do câmbio”, afirmou.
Confira a seguir os destaques da entrevista:
Conflitos prosseguem
Para Ramos, mesmo com a queda da taxa de juros que está por vir, a Selic deve permanecer em um patamar contracionista durante todo o ano de 2024. E isso significa que o conflito entre o governo e o BC, que já se viu neste início de mandato, deve prosseguir pelos próximos meses. “O governo não quer apenas que o BC reduza o juro, quer que o BC ajude no crescimento, e isso só seria possível se o juro caísse para um nível abaixo do neutro, que hoje está perto de 8%”, explicou. “Isso não vai acontecer em 2024, o que significa que essa briga vai continuar.”
Segundo Ramos, existe uma visão de que, para o atual governo, “tudo deve se subordinar à meta de crescimento, e que o Estado deve ser o indutor do crescimento, o que abre caminho para desequilíbrios”. “A política macroeconômica requer equilíbrio. Um desequilíbrio a longo prazo mina o crescimento”, afirmou. “O BC não mantém o juro alto porque é masoquista, mas porque precisa fazer o trabalho dele, que é controlar a inflação.”
Sem previsibilidade fiscal
O texto do arcabouço fiscal divulgado na terça-feira pelo governo, muito aguardado por todo o mercado financeiro, corrobora essa leitura, disse Ramos. Para ele, o documento pode ser entendido como uma “declaração de intenções” que, se for difícil de serem atingidas, podem ser alteradas. “Não força o governo a cortar gastos e, por não prever gatilhos de ajuste, não traz previsibilidade fiscal”, afirmou.
Além de ser de difícil execução e depender excessivamente do aumento de arrecadação – o que deve impor aumento de impostos e, consequentemente, trará impacto negativo sobre o Produto Interno Bruto –, as novas regras não devem ser capazes de estabilizar a relação dívida/PIB, segundo seus cálculos, “mesmo dentro de um cenário conservador para o crescimento real do PIB e dos juros”. “É verdade que não existe regra perfeita, então, não quero ser super pessimista. Mas o ponto é que essa regra poderá ser rapidamente mudada, e mudar a regra tem custo.”
Boa vontade do investidor
A despeito de todos os riscos, o investidor estrangeiro vem expressando boa-vontade para com o Brasil e, nos últimos dias, reforçou o aporte de recursos. Isso se deve, na visão de Ramos, ao fato de que, com a perspectiva de fim do ciclo de alta de juros pelo Federal Reserve nos Estados Unidos, cresce a visão de que há uma boa oportunidade em mercados emergentes. “O investidor estrangeiro está olhando com carinho os mercados emergentes, o que pode ser uma grande oportunidade para o Brasil. Mas, para isso, é preciso fazer a lição de casa”, afirmou.