Por Machado da Costa e Sheyla Santos
Já estava clara, mas ficou cristalina, com a divulgação do texto do arcabouço fiscal, a necessidade de o Governo Federal realizar uma massiva elevação da carga tributária a fim de cumprir a meta de zerar o déficit fiscal para o próximo ano.
Tal qual o arcabouço gera desconfianças sobre sua viabilidade, as medidas com propósito de elevar a arrecadação deverão ser cercadas de críticas. As ações devem ser anunciadas na próxima semana, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Era para ser há duas semanas, chegou a se aventar a possibilidade de ser amanhã, mas atrasou novamente. E claro, há a possibilidade de não ser semana que vem também.
O governo tem entendido que elevar o volume de receitas é uma tarefa das mais árduas e, agora, obrigatória. Precisará construir um ambiente favorável perante a opinião pública, antes disso.
De acordo com as contas feitas por Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o governo trabalha com um crescimento real da receita líquida de 7,8% para o próximo ano para fechar as contas. O problema é que o crescimento real médio dos últimos 12 anos é de pouco mais de 1%.
A necessidade de arrecadação para cumprir o déficit zero se aproxima da previsão dada por José Márcio Camargo, da Genial, que estima a necessidade de elevar em 2,5 pontos percentuais a já elevada carga tributária brasileira — quando comparada com pares.
“Em relação aos países da OCDE (grupo das nações mais desenvolvidas), com carga tributária média de 34,2% do PIB, o Brasil está em um patamar moderado. Em relação aos países emergentes, a carga tributária brasileira pode ser considerada, de fato, elevada. Alguns exemplos de nações com índices inferiores ao nosso: México (23,7%), Chile (26,3%), Colômbia (22,3%), China (20,1%), Índia (12,5%) e Coreia do Sul (26,8%)”, escreveu Manoel Pires, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, em artigo de 2021.
Assim, o governo já tem encontrado resistências grandes, seja no Congresso, seja na Sociedade, para justificar uma elevação da carga tributária.
Para driblar a opinião pública, a estratégia é buscar alternativas que não significassem custos de imagem. Por isso se lançou sobre a legislação que regimenta o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, e segmentos de importadores online que por vezes escapam do Fisco.
Nem isso funcionou. O governo amargou derrotas na tramitação da Medida Provisória que reestabelecia o voto de qualidade do Carf, teve de voltar atrás por conta da reação adversa de consumidores, e acumula atrasos na divulgação das tais “medidas saneadoras”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reiterou diversas vezes que essas medidas buscam arrecadar algo próximo de R$150 bilhões — algo equivalente a 1,5% do PIB — por meio da cassação de “jabutis”. Não será fácil.
Os tais jabutis são benefícios fiscais aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e, na verdade, são pequenos quando comparados às verdadeiras desonerações, como o Simples Nacional ou a Zona Franca de Manaus.
Cassar esses jabutis no varejo — como a incidência de créditos de ICMS como redutor da base de cálculo do PIS/Cofins — demandaria enorme capital político. E essa medida, frise-se, confronta o varejo brasileiro — aquele que se beneficiaria da mudança na tributação dos importadores online. Ou seja, não terá nem um, nem outro.
A essa situação, adicione o desejo do governo de aprovar a reforma tributária, que eleva os impostos indiretos sobre o setor de serviços e agropecuário.
“Quem tudo quer, nada tem”, diz o provérbio popular. Em meio à sanha de encontrar recursos em qualquer canto para cumprir a matriz — expansionista, mas superavitária — do arcabouço, Haddad pode colocar o projeto petista a perder, e ver o Congresso puxar para si a responsabilidade que todos no Executivo se esquivam de assumir: cortar gastos.