No dia 1 de fevereiro assistimos à tradicional decisão de juros do Copom. Nesta data, apelidada de ‘super quarta’ por confluir com a reunião de juros nos Estados Unidos, tivemos um marco em nossa política monetária.
Ao final do dia, é disponibilizado um comunicado cuja função é trazer os principais critérios e parâmetros analisados durante a reunião do Copom. A grande surpresa foi o aumento do tom agressivo – hawkish -, acrescido de um cenário alternativo onde a Selic não cairia em nenhum momento em 2023, tendo as primeiras quedas apenas em 2024.
Desde então, vimos membros do governo revoltados com este cenário. Por consequência, diversas vezes o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi duramente atacado. O presidente Lula, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann e outros importantes nomes ligados ao atual governo não pouparam palavras e esforços na tentativa de desgastar o presidente do Banco Central.
O grande problema é que um governo em combate aberto contra a autoridade monetária nunca é bem visto pelos investidores. O Banco Central do Brasil possui autonomia aprovada em lei desde 2021.
Após o dia 8 de fevereiro, uma semana após o Copom, esperava-se que a ‘poeira’ fosse baixar. Neste dia, foi divulgada a Ata da reunião do Banco Central, que trouxe um tom mais amigável, em especial ao plano de ajuste fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda.
Ledo engano. Os ruídos continuaram fortes, culminando, inclusive, na tentativa de pautar alteração da meta de inflação até mesmo antes da definição do novo arcabouço fiscal, esperado para ser apresentado ainda neste semestre. As consequências foram as piores, com o dólar comercial superando R$5,30 e os juros futuros atingindo máximas do ano.
As políticas fiscal e monetária precisam andar em sinergia, ou os investidores seguirão demandando taxas mais altas para comprar títulos do Tesouro Nacional, o que representa maiores gastos para o país pagar sua dívida e menor crescimento.
Essa simples relação diverge absolutamente da narrativa do atual governo de que o Banco Central será responsável caso a economia brasileira entre em recessão. É necessário entender que política de juros é consequência e não causa do problema.
O BC tem de ser reativo para proteger o câmbio e a inflação. Isso não muda, contudo, o fato de que o BC não pode ser totalmente literal em sua tecnicidade, apesar de existir uma linha tênue nessa questão. O fato é: essa guerra poderia ter sido evitada se o Banco Central não tivesse aumentado o tom, mas sim apenas mantido o recado passado nas reuniões anteriores do Copom.
Parece pouco coerente aumentar a agressividade retórica contra a inflação por conta de uma piora marginal de 0,4 ponto percentual no horizonte de inflação. O juro real atual é suficiente para que o processo de desinflação continue, em paralelo com uma desaceleração natural da economia. Tentar ancorar as expectativas de forma excessivamente agressiva em um país emergente pode, infelizmente, ter efeito contrário. Algo semelhante aconteceu recentemente na Turquia.
Mais uma vez pode-se concluir que muitos de nossos problemas acontecem pela falta de comunicação. É compreensível entender a frustração do PT, assim como é compreensível entender a frustração do BC. Um alinhamento prévio em prol do país exige bom senso de ambos os lados. Esse entendimento é plausível – diferentemente da Turquia – justamente graças à autonomia do Banco Central.
Os ruídos ainda vão ecoar, e é possível que alterem a meta da inflação de 2024 ainda neste ano, apesar de isso não ser necessariamente um problema. A questão é que precisaremos de um debate técnico, sem apelos populistas ou demagogias.
Sem uma melhora de comunicação, a primeira vítima da guerra de narrativas será a própria economia. E claro, o brasileiro mais pobre. Aquele mesmo que o governo atual jura defender.
*O conteúdo do artigo é de responsabilidade do autor e não reflete o posicionamento do FLJ