Por Márcio Aith
O mais longevo presidente da República desde Getúlio Vargas mudou bastante entre 1989 e 2003, quando “cedeu ao centro” com vistas a atingir o poder. Talvez ele tenha mudado ainda mais entre 2011 e 2023.
A controversa principal figura política do Brasil desde a redemocratização conviveu, neste período, com traições, tempo de prisão, a derrocada de sua sucessora e a ascensão de um rival improvável. Aqui são oito ângulos que mostram como a história transformou o Lula de 2003 no Lula de 2023:
1- Ninguém mais falará em seu nome
Lula de 2023 aprendeu várias lições com a ascensão, queda e traição de Antônio Palocci, seu homem forte na economia no primeiro mandato. Palocci recebeu poder ilimitado e exclusividade na interlocução com o setor financeiro. E Lula, obediente, fazia o que Palocci dizia. Resultado: Lula era visto como rainha da Inglaterra. Palocci era “o cara”. Lula de 2023 quer decidir tudo. Que ninguém ouse ter ascendência sobre ele, técnica ou intelectual.
2- Núcleo político mais fechado e menos permeável
Palocci delatou Lula na Lava Jato. E o fez apesar de toda a confiança e o poder que Lula lhe outorgou. Além de delatá-lo, foi acusado de praticar crimes enquanto exercia seu ofício na Fazenda. Lula passou 580 dias na cadeia e não confia mais em ninguém. Chama sempre um assessor para ouvir e testemunhar seus despachos. Raramente recebe alguém sozinho.
3- Mais livre para peitar o mercado
Para chegar ao poder, Lula teve que elaborar, em 2002, a Carta ao Povo Brasileiro, assegurando que, em caso de sua vitória, respeitaria os contratos. Depois de governar o país por 8 anos, desenvolveu um rancor aos mercados, de quem se via refém. Segundo ele, é o povo brasileiro quem tem o poder de vetar seus líderes, e não bancos e corretoras. Acredita que os mercados criam fantasmas para perpetuar seus lucros.
4- Mais propenso a gastar e rever metas de inflação
Lula herdou do PSDB o regime de metas de inflação em 2003, e, com ele, conviveu aos trancos e barrancos, mas obedientemente. Agora, vê a possibilidade de ajuste. Deu a Fernando Haddad a ordem de flexibilizar as metas. Acredita que uma inflação abaixo de 6% é perfeitamente administrável e compatível com a criação de empregos.
5- Pragmatismo sem vergonha
Negociações políticas pragmáticas para aprovar projetos e evitar qualquer discussão sobre impeachment. Esse é o Lula-2023. Ele tem receio da composição direitista do Congresso. Ofereceu aos partidos do centrão mais do que pediram. O União Brasil, que nem da base política faz parte, recebeu 3 ministérios, isso tudo para acomodar Arthur Lira, presidente da Câmara. Três também foram os ministérios destinados ao PSD de Gilberto Kassab.
6- Regular redes sociais e a mídia
Durante seus dois primeiros mandatos, Lula tentou a todo custo aprovar uma lei para “regular a mídia”. Só não conseguiu porque a sociedade percebeu que sua tentativa não passava de censura disfarçada. Agora, com o advento das fake news, descobriu uma nova roupagem para vestir seu velho projeto, o qual retomará com fôlego renovado.
7- Vitrine ambiental
Em 2008, Marina da Silva pediu demissão do Ministério do Meio-Ambiente de Lula acusando o presidente de sabotar o Plano Amazônia Sustentável. Lula de 2023 reconheceu que errou, tanto que chamou Marina de volta ao mesmo cargo. Não só aprendeu com seu erro como também testemunhou o desastre ambiental de Bolsonaro e o aumento do interesse global sobre o tema. Agora, Lula quer uma agenda ambiental sólida. Uma vitrine para atrair investimentos.
8 – Um olho na China, outro nos EUA
Em seus dois primeiros mandatos, Lula abriu as fronteiras brasileiras para a China, que tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, para certo desconforto dos Estados Unidos. Já no governo Bolsonaro, o Brasil rompeu negócios com a China e achincalhou o povo Chinês. Lula está decidido a equilibrar-se entre os dois países sem o antiamericanismo que caracterizou suas duas primeiras gestões.