Jovens, sim. Desbancarizados, jamais!

-30 | Excluídos no passado, menores de idade passam a despertar atenção dos bancos

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Por Erick Matheus Nery***

Quando tinha dez anos, comecei a receber mesada – na época, R$100. Contudo, como meus pais moravam em cidades diferentes, precisava ter uma conta bancária para receber o dinheiro. Acontece que, no longínquo 2010, para um menor de idade ter uma conta era algo beeeeem difícil, tanto que o jeito encontrado pela família do meu pai para transferir o dinheiro todo mês era depositá-lo na conta poupança da minha avó.

Assim, só quando entrei na faculdade, em 2016, fui ter a minha primeira conta bancária. Um pouco mais de uma década se passou desde o começo da minha jornada no sistema financeiro e, com o avanço da bancarização no Brasil, em especial devido à pandemia, a situação começou a mudar…lentamente.

Quando se fala na democratização do sistema financeiro, crescimento da bancarização e afins, percebo que o debate vai para extremos: ou o foco são modernidades como o drex (real digital) e criptomoedas ou pessoas de baixa renda que estão à margem ou mal-atendidas pelo sistema, como pequenos comerciantes e beneficiários de programas sociais. 

E as crianças? E os adolescentes? É fácil falar da importância da educação financeira, mas e na prática? O assunto se limita, literalmente, a guardar moedas no cofrinho? Infelizmente, para muitos, a resposta, hoje, ainda é sim. Porém, isso está começando a mudar realmente. Nas últimas semanas, comecei a investigar esse mundo e conversei com três jovens sobre o tema: Isabella e Fabiana, ambas de 16 anos, e Eduardo, de 18 anos.

Isabella confessa que não tem tanto diálogo em casa sobre educação financeira. Porém, há cerca de três anos, seus pais abriram uma conta para ela e, desde então, o interesse sobre o universo financeiro começou a aparecer.

“Além disso, no ano passado, com o novo Ensino Médio, uma das trilhas que tive na escola foi de educação financeira, aí passei a ter um interesse maior sobre esse tema. Antes, não era uma paixão minha entender sobre dinheiro e agora é!”, pontua.

“Quando recebi o cartão da conta, comecei a ter uma maior consciência sobre gastar. Sou uma pessoa muito consumista, chego no shopping e quero comprar tudo, fico desesperada! Minha mãe não tem o aplicativo do meu banco e desde que comecei a olhar o meu extrato, comecei a criar a consciência de que dinheiro não cai da árvore e que não é tudo o que vejo que posso sair comprando, analiso bem, comprar virou uma coisa muito mais planejada”, ressalta Isabella.

No caso da Fabiana, ela tem um cartão de crédito como dependente da mãe: “Uso principalmente para refeições, como almoço e lanche no colégio. Como eu tenho o cartão, preciso pensar mais nos meus gastos. Quando vejo alguma coisa mais cara, preciso pensar melhor se compro ou não, pois vou deixar de ter o limite para essas outras compras rotineiras. Tem uma responsabilidade maior”.

“Ter essa introdução no sistema financeiro antes dos 18 anos me ajuda, comecei a ter dúvidas sobre dinheiro. Fico mais interessada no sistema e me sinto mais preparada para, quando chegar na maioridade, tomar melhores decisões”, ressalta.

Já o Eduardo tinha as duas ferramentas desde quando era menor de idade: conta e cartão de crédito, ambos administrados pelo pai. “Basicamente, tudo que eu comprava era com o dinheiro dessa conta, exceto por gastos como com produtos de higiene e remédios, coisas de farmácia”, recorda.

Hoje, já na maioridade, ele sente que esse contato direto com o dinheiro o ajuda a administrar melhor as próprias finanças: “Sem sombra de dúvida, essa atitude dos meus pais me tornou muito mais consciente quanto a meu próprio dinheiro e meus gastos”. 

“Nunca fui de gastar muito. Mas foi muito bom para o meu desenvolvimento pessoal ter tido contato precoce e direto com os números e com o fluxo de entrada e saída do que eu possuía”, complementa.

E os dados? Existe conta para jovem?

Como jornalista, não tiro informações da minha cabeça e vou atrás dos dados! Questionei o Banco Central (BC) sobre a presença dos menores de idade no sistema financeiro e aqui começam os problemas. Temos os dados? Sim e não! 

Na filtragem do Sistema Gerenciador de Séries Temporais (SGS) do BC, a divisão etária para o público mais jovem é entre 15 a 24 anos. Ou seja, se você tem 13 anos e tem uma conta, sinto muito, você não faz parte da estatística (público invisibilizado, não é mesmo?). Além disso, um adolescente de 15 anos possui uma realidade totalmente diferente da de um jovem adulto de 23 anos. Mesmo assim, para o BC, esse público é o mesmo.

Com essas ressalvas feitas, em 2005, 13 milhões de jovens dessa faixa etária estavam no Sistema Financeiro Nacional. Em 2019, antes da pandemia, a cifra chegava a 19 milhões. Já em 2020, com Covid-19 e a bancarização em massa dos brasileiros de baixa renda para o recebimento do então auxílio emergencial, o número saltou para 23 milhões. Em 2021, chegou na casa dos 24 milhões e, em 2022, fechou o ano em 26 milhões. 

Assim, o número de pessoas de 15 a 24 anos presentes no Sistema Financeiro Nacional cresceu 36,8% de 2019 até 2022. Sete milhões de jovens entraram no mundo financeiro nos últimos três anos.  

E qual percentual das transações com Pix é feito por jovens? A resposta também é a mesma: os dados que existem não mostram toda a novela! O BC até faz um filtro melhor, mas, ainda assim, limitado. Em agosto de 2021, a faixa etária até 19 anos foi responsável por 0,81% das transações. Já em julho de 2023, esse mesmo público fez 5,06% dos Pix’s.

Com essas informações que mais me deixaram dúvidas do que respostas, lá fui eu trabalhar! Entrei em contato com os dez maiores bancos do País em número de clientes. Nove deles me responderam e, destes, seis abrem contas para menores de idade: Caixa, Itaú, Nubank, Banco do Brasil, PicPay e Mercado Pago.

Encontrei dados interessantes: “A base de clientes menores de idade da Caixa está concentrada, em maior parte, na região Sudeste, que detém 45% das contas, seguida do Nordeste com mais de 20%”, afirma o banco.

No Itaú, jovens a partir de 14 anos podem abrir contas nas plataformas digitais e gratuitas iti Itaú e Player’s Bank. No Nubank, a conta digital está disponível para crianças a partir de 10 anos. Quem tem dez anos ou mais também pode abrir a BB Cash, conta corrente digital e gratuita. 

O PicPay disponibiliza sua conta tradicional para jovens a partir de 16 anos, enquanto o Mercado Pago conta com uma solução específica para esse público com a conta 13+ – como o próprio nome diz, voltada para pessoas a partir de 13 anos.

Com esse mapeamento em vista, vamos dar mais cor a esses números? Praticamente todas essas soluções apresentadas foram lançadas do ano passado, o que mostra como esse movimento ainda está engatinhando. Mas, e antes disso? Ninguém olhava para os jovens?

Desde 2020, a fintech NG.CASH atende esse público com uma conta digital para menores de idade. A empresa foi criada pelos fundadores do canal do YouTube Neagle, que conta com dez milhões de inscritos na plataforma. 

Fundadores da NG.CASH

“A ideia foi originada a partir da própria experiência que os fundadores tiveram quando menores de idade, dado que empreendem desde os 14 anos, mas nunca tiveram uma conta em seu nome através da qual eles pudessem gerir seu próprio dinheiro”, conta Antônio Nakad, co-fundador e CMO da empresa.

Atualmente, a empresa acumula mais de um milhão de usuários e tem como foco dar acesso ao sistema financeiro para mais de 50 milhões de jovens. O processo de abertura de conta é totalmente digital e a conta disponibiliza ferramentas como o Pix. E é a única a disponibilizar a compra de criptomoedas.

“O que vemos consistentemente é que jovens não querem ter a conta digital que os pais têm, muito menos se sentirem presos em uma solução que não os atende, portanto é natural dessa geração que busque alternativas com o jeito dela”, ressalta Nakad ao destacar que um dos diferenciais da empresa é que ela é feita por integrantes da geração Z para integrantes da geração Z.

“Um relatório feito pelo Banco Central no final de 2022 indicou que aproximadamente 90% da geração Z ainda não fez seu primeiro Pix, o que, no universo brasileiro, corresponde a mais de 45 milhões de jovens. Atualmente, a NG.CASH não compete com os grandes bancos, mas sim com a desbancarização dos jovens!”, complementa.

Enquanto isso, no outro extremo, o Banco do Brasil começou a trabalhar na BB Cash em abril de 2022. Porém, lá em 1997, a empresa lançou sua primeira iniciativa para os jovens, a conta BB Teen.

Após seis meses de trabalho, a BB Cash ganhou as ruas em outubro do ano passado e oferece um leque de opções para os jovens: conta gratuita com cartão de “crébito”, Pix, transferências, saques, fundo de investimento sem carência com aplicação a partir de R$ 0,01, poupança, gift cards, função de “pedir dinheiro” e pedido de aporte na previdência do BB.

No início, a conta era disponibilizada apenas para jovens a partir dos 13 anos mas, com o sucesso da iniciativa, o banco diminuiu a idade mínima para 10 anos. Se o responsável pelo menor já for cliente do BB, é possível abrir a BB Cash diretamente pelo aplicativo do banco. Se não, o adulto e o menor precisam ir a uma agência.

“Desde o lançamento, em outubro de 2022, foram abertas mais de 160 mil contas. Entre os clientes menores de idade que abriram conta via App BB. o índice de engajamento chega a 90%, com uso recorrente da conta nos últimos 90 dias. Desses, 60% já estão utilizando seu cartão para compras no crébito”, detalha o banco.

Na BB Cash, mais de 65% dos jovens e adolescentes já usaram Pix, com quase 3,6 milhões de transações nos últimos meses. Além disso, 22% desses clientes já fizeram algum tipo de investimento financeiro na plataforma – afinal, investir é pop!

Outra conta recém-nascida para os jovens é a 13+ do Mercado Pago. Segundo o head de Banco Digital do Mercado Pago, Ignácio Estivariz, essa conta está atrelada à iniciativa da empresa de democratizar o acesso das pessoas aos serviços financeiros. 

“Sabemos que os jovens de hoje serão os clientes do amanhã. Então, já estamos com essa conta há um ano e os resultados estão sendo bem positivos. Muitos dos clientes de 17 anos, quando completam 18, seguem conosco. Os jovens de hoje em dia são espertos, já vem com um conhecimento muito maior do que nós tínhamos lá atrás. Eles não precisam esperar ter 18, 20 anos, para conhecer soluções financeiras”, destaca.

Estivariz ressalta que o Pix e o cartão de débito são as ferramentas mais utilizadas pelos clientes menores de idade e que o ticket médio é de R$268. De janeiro a julho, esses clientes realizaram mais de 20 milhões de transações na conta 13+.

“Esse é o público do futuro! Precisamos engajá-los, compreender bem como construímos uma jornada que atenda suas necessidades financeiras porque, quando eles completam 18 anos, já podem fazer todos os tipos de transação. Além disso, sabemos que as pessoas são bens leais ao banco através do qual deu seus primeiros passos no mundo financeiro. Não tenho dúvida de que seguiremos investindo nesses jovens”, ressalta.

Os dados da plataforma digital mostram que esses jovens gastam dinheiro principalmente em comida! O top 3 dos clientes menores de idade do Mercado Pago são supermercados, redes de fast food e restaurantes. Mas engana-se quem pensa que esse público só quer comer. De janeiro a junho, esses usuários do Mercado Pago fizeram quase 400 mil compras no Mercado Livre. 

Educação financeira na prática!

Como você viu, dinheirinho no porquinho é coisa do passado! E existe melhor forma de ensinar educação financeira que não seja a prática? Até porque, com esse conhecimento, será bem mais difícil esse jovem ficar com nome sujo no futuro.

Esse diálogo sobre dinheiro, com certeza, precisa ocorrer entre responsáveis e menores. E a escola também pode ser um dos fomentadores desse assunto. A Fabiana, lá do começo da coluna, é aluna do Colégio Etapa em São Paulo e cursa a atividade extracurricular Empreendedorismo & Finanças, disponibilizada para os alunos do 2º ano do Ensino Médio.

“Gosto muito das aulas e dos conceitos de finanças, como entender o que é capital de giro e plano de negócios. Alguns desses conceitos que estamos aprendendo, como gerenciar receitas, despesas e contas, são temas que também são válidos na vida pessoal e são úteis, que vou utilizar no futuro”, diz. 

O coordenador da atividade extracurricular de Empreendedorismo & Finanças do Etapa, Dimas Ferreira, explica que a atividade é realizada há uma década na instituição de ensino e integra as noções de educação financeira a exemplos do universo das startups. Assim, os alunos montam suas “empresas” e, ao longo dessa jornada, aprendem conteúdos que vão desde contabilidade até a construção de planos de negócios, formatação de um pitch e afins.

“O curso é desenvolvido com várias ferramentas metodológicas (aula expositiva, trabalho em grupo, projeto). Os projetos são apresentados para bancas examinadoras formadas por profissionais do mercado financeiro com experiência na avaliação de startups. Além disso, na Multiexpo do Colégio Etapa (evento em que os alunos de São Paulo e de Valinhos apresentam os principais trabalhos acadêmicos e artísticos realizados durante o ano letivo), as equipes competem por investimento dos visitantes do evento, que recebem uma quantidade de moeda fictícia (ESEG Money) para alocar nos projetos, de acordo com sua avaliação”, detalha.

“O curso é realizado no contraturno, em encontros semanais, inicia-se em março e se estende até o início de dezembro. A atividade tem uma procura consistente ano após ano, devido, principalmente, ao feedback positivo gerado tanto pelos alunos quanto pelos familiares”, complementa Ferreira.

Iniciativas como a do Etapa e de outras instituições de ensino, além da educação financeira na prática com a bancarização, geram situações como essa que a Isabella me conta: “Sempre fui no shopping com minha avó e é aquela loucura, eu pedia e ela comprava. Hoje, com essa consciência, analiso assim: vou comprar um moletom, olho ele. Preciso dele? Quero ele? Guardei dinheiro para comprar? Se as respostas forem sim, mas se a peça não é do jeito que eu quero, não compro. Antes, queria na hora e qualquer um servia. Se não gostasse depois, pedia outro para a minha avó”, conta Isabella. “Agora que compro com o meu dinheiro, comecei a ver que se gasto desse jeito, vou ter que guardar dinheiro de novo para depois comprar outro. Criei essa consciência, deixei de ser uma doida consumista (risos)”, afirma. 

Como você viu, esse debate da inclusão dos jovens no sistema financeiro já está andando e tem potencial para crescer ainda mais! E que seja assim, pois todos ganham!

*As opiniões dos colunistas do FLJ não refletem a posição do veículo.

** O texto foi produzido no término do curso Setor Bancário do Futuro, realizado na Saint Paul Escola de Negócios, cujo jornalista foi convidado pelo Mercado Pago.

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30- é uma coluna quinzenal do FLJ, assinada por Erick Matheus Nery e que conta com conteúdos voltados para jovens profissionais em início de carreira.