Por Pedro Machado
São Paulo, 24/02/2022
Após o turbulento ano de 2022, os investidores contemplam um cenário macroeconômico cada vez mais complexo e interconectado para se posicionar nos mercados em 2023. Os bancos centrais, a inflação e o consumidor americano se postam como elementos centrais das principais narrativas que guiarão este ano.
O ano de 2022 terminou com o nível de sentimento dos investidores institucionais mais baixo em vários anos, de acordo com dados da Steno Research, Bloomberg e Macrobond. Esse desânimo geral não é apenas ligado ao desempenho fraco do S&P500, mas também dos ativos de renda fixa. Uma carteira composta por metade títulos de dívida com prazo de dez anos e metade ações teve em 2022 seu pior desempenho anual em mais de 200 anos.
Entretanto, analisando o histórico de anos seguintes à quedas tão relevantes, seria natural esperar que 2023 traga uma recuperação relevante, de, na média, 15%. O problema é que as médias não tomam em conta as particularidades do cenário. Por isso é importante entender os fatores positivos e negativos para guiar os investimentos e capitalizar em cima de oportunidades.
O primeiro ponto importante passa pelos bancos centrais das economias desenvolvidas, em especial dos Estados Unidos, Zona do Euro e Japão, que mais mexem com os mercados. O Federal Reserve, dos EUA, e o ECB, da Europa, estão tentando recuperar sua credibilidade após muitos anos de taxas de juros artificialmente baixas que resultaram em excessos nos sistemas financeiros.
Enquanto isso, o Banco do Japão continua estimulando a economia, desvalorizando assim o iene, que teve um dos piores desempenhos ante o dólar no último ano. Até dezembro, o banco central japonês limitava as taxas da sua dívida de dez anos em apenas 0,25%. Esse patamar foi dobrado para 0,50% mas ainda fica muito abaixo dos cerca de 4,00% que rendem títulos paralelos em dólar americano. Esse quadro, somado à taxa básica de juros japonesa de -0,10% deve seguir pressionando negativamente a cotação do iene.
Quanto aos Estados Unidos, hoje o mercado antecipa que a taxa básica de juros deve atingir 5,00% este ano e recuar para 4,00% em 2024 e 3,00% em 2025. Isso deixa claro que o mercado espera que uma contração da economia americana levará o Fed a iniciar um ciclo de cortes nos juros rapidamente.
No entanto, vejo como provável que o Fed demore mais para iniciar os cortes nos juros básicos, buscando confirmações profundas de que a inflação está sob controle, depois de atingir os maiores patamares em 40 anos em 2022. O Fed não pode mais arriscar a sua credibilidade – e isso pode deixar os juros mais altos do que o mercado espera. O que poderia alterar esse quadro seria uma crise econômica relevante no meio do caminho.
Não acredito que a inflação americana voltará tão facilmente ao patamar de 2,00%, meta do Fed, mas certamente alguns dados de deflação poderão levar investidores a acreditarem nisso nos próximos trimestres. A inflação ao consumidor de dezembro nos EUA foi de 6,50%. No curto prazo, a oscilação inflacionária está bastante ligada às dinâmicas de oferta e demanda enquadradas no contexto de fatores estruturais.
Entre os fatores estruturais de longo prazo, a reestruturação das cadeias de produção, com os países desenvolvidos ocidentais buscando o “nearshoring”, realocando recursos produtivos da China para outros países de mão de obra barata tende a ser estruturalmente inflacionário. Em contrapartida, a continuidade da automatização e do avanço tecnológico e a desaceleração do crescimento demográfico tendem a ser deflacionários.
O mercado reage e seguirá reagindo às perspectivas de inflação porque ela implicitamente guia a taxa de juros utilizada para descontar os fluxos de caixa futuros das empresas. Qualquer desvio das expectativas será precificado nas ações e títulos e impactando sempre os ativos de duração mais longa, como empresas de crescimento e títulos de renda fixa de longo prazo. Historicamente, o mercado de ações performa muito bem em períodos de queda da inflação.
O tereceiro e último fator do texto de hoje se refere ao consumo nos Estados Unidos. Há uma dinâmica negativa em curso com a taxa de poupança em um dos pontos mais baixos da história, de acordo com dados do Departamento de Análise Econômica dos EUA. A criação de reservas financeiras na população fraca concorre com níveis recordes de endividamento com cartão de crédito na maior economia do mundo.
Esse quadro de menos poupança e mais endividamento da população tende a ser deflacionário no médio prazo, já que antecipa o poder de compra da população do futuro para hoje.
Esse cenário preocupante contrasta, no entanto, com a resiliência do mercado de trabalho. A taxa de desemprego nos Estados Unidos está próxima das mínimas em 50 anos. Isso é resultado, em parte, de quedas constantes na participação da força de trabalho: cada vez menos pessoas estão buscando um emprego. Vale notar também que em recessões passadas o mercado de trabalho sempre foi um dos últimos aspectos macroeconômicos a cair e que, recentemente, grandes corporações americanas tem anunciado reduções de quadro de funcionários relevantes.
Recessão
Diante deste cenário complicado para as taxas de juros, a inflação global e o consumo na maior economia do mundo, há um grande consenso entre analistas de que haverá uma recessão nos Estados Unidos. Os indicadores antecedentes de uma recessão do Conference Board, que acertaram a previsão de 100% das recessões no passado, estão indicando isso.
Sendo assim, o que realmente vai criar preço e determinar o rumo dos ativos financeiros, mais especificamente os de risco é a profundidade dessa recessão. O investidor que hoje olha para os preços de mercado de forma otimista certamente espera que o quadro geral não levará os EUA à um ciclo forte de desemprego e inadimplência; o pessimista espera uma recessão econômica pior do que o esperado.
*O conteúdo da coluna é de responsabilidade do colunista e não reflete o posicionamento do FLJ