Por Fabrício Henrique Silvestre
O Brasil registrou uma taxa de inflação de 5,78% em 2022, uma das menores na análise comparativa da América Latina com as cinco maiores economias do mundo. É um dado positivo da realidade. Mas é importante lembrar que a inflação seria maior não fossem as medidas tributárias que permitiram a redução dos preços da gasolina, energia elétrica e telecomunicações.
A contraparte da análise da inflação é a análise da taxa de juros, principal ferramenta de política monetária dos Bancos Centrais na tarefa da estabilização dos preços. Em termos nominais, a taxa de juros nos países latino-americanos tende a ser maior que a observada nas maiores economias do mundo, por conta do maior risco percebido. O Brasil está com uma taxa de juros de 13,65%, superior àquela observada nas maiores economias do mundo, no Chile, na Colômbia e no México. A taxa de juros nominal brasileira é menor que a observada na Argentina e na Venezuela por conta da inflação corrente no país.
Até aqui, os dados parecem sugerir que nosso Banco Central se antecipou aos demais. Para entender melhor o comportamento dos Bancos Centrais, precisamos avaliar as taxas de juros em termos reais. Nesse ponto, é importante retomar dois conceitos, ou referências, para a avaliação dos juros reais: a taxa de juros real ex-ante e a taxa de juros real ex-post. Em termos simples, a primeira diz respeito à diferença entre a expectativa para a taxa de juros e a expectativa para a inflação. A taxa de juros real ex-post é a diferença entre a taxa Selic observada e a inflação observada.
Desse modo, estamos avaliando aqui a taxa de juros real ex-post. Neste prisma, o Brasil registrou uma taxa de juros real em torno de7,44% ao ano, a maior dentre todos os países analisados. As taxas de juros reais negativas em vários países reforçam a tese de que o Banco Central brasileiro se antecipou aos demais, o que nos colocou em uma posição favorável para o combate ao aumento dos preços.
Uma das conclusões possíveis é que a autarquia pode ter se excedido no combate à inflação, uma vez que uma taxa de juros real de 7,44% é relativamente alta. Dois pontos precisam ser levados em conta aqui: primeiro, as medidas fiscais permitiram a redução da inflação no curto prazo, resultando nessa distorção da taxa de juros real quando observada no prisma “ex-post”. Segundo, as medidas contribuíram para mitigar o efeito da política monetária na atividade, o que tende a resultar em sustentação da inflação, impulsionando a taxa de juros real “ex-ante”.
As expectativas de inflação seguem desancoradas segundo o boletim Focus, inclusive com avanço para prazos mais longos, como 2026. As dúvidas quanto ao arcabouço fiscal e os ruídos originados no ambiente político podem contribuir para aumentar a taxa de juros neutra brasileira, aquela que não é expansionista nem contracionista, o que afasta qualquer discussão sobre redução da taxa Selic no curto prazo.
Na minha opinião, a inflação ficaria entre 8% e 9% no ano passado se não fossem as medidas fiscais, o que significaria uma taxa de juro real de cerca de 5%. Deste ponto de vista, não me parece que o Banco Central tenha se excedido no combate à inflação. A partir daí, o ambiente ficou um pouco mais turvo, com expectativas mais dispersas e maior incerteza, o que tem contribuído para sustentar o cenário de que a Selic deve permanecer no patamar atual até o segundo semestre deste ano.
Uma outra leitura pode ser a de que a meta de inflação muito baixa explica a diferença entre a nossa taxa de juros real e a dos demais países. Na agenda para 2023, temos a necessidade da definir um novo arcabouço fiscal, uma possível reforma tributária, entre outras mudanças. Desse modo, a discussão do nível da meta de inflação para este ano tem, como saldo, o aumento da incerteza, com possível efeito adversos sobre a atividade, sobre a taxa de juros e sobre as contas públicas. Contudo, avalio como viável a discussão da meta de inflação para prazos mais longos.
*O conteúdo do artigo é de responsabilidade do colunista e não reflete o posicionamento do FLJ