
São Paulo, 28/10/2025 – Duas décadas após o surgimento da sigla ESG para representar preocupações empresariais com fatores ambientais (environment), sociais e de governança, que se tornaram tema onipresente nos mercados financeiros, as prioridades parecem estar mudando, e dando um novo significado às três letras, avaliou o economista Marcos Troyjo, ex-secretário do Ministério da Economia e ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o “Banco dos BRICS“.
“Tem um fenômeno curioso acontecendo no mundo… minha impressão é que estamos vivendo uma conjuntura, que ainda vai durar algum tempo, de metamorfose do “ESG”. Onde você tem ‘E’ de Economia… ‘S’ é Segurança… e onde você tem ‘G’ de Geopolítica”, afirmou Troyjo, durante entrevista ao programa Direto ao Ponto, da TV Jovem Pan, na segunda-feira.
Entre os fatores que guiam essa mudança estariam a força de China e Índia, que seguem ampliando o uso de combustíveis fósseis, as políticas de Donald Trump de incentivo à produção de petróleo (“drill, baby, drill”), e a instabilidade gerada por guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, com impactos sobre a oferta de energia — somadas a uma demanda por energia crescente impulsionada por novas indústrias como criptoativos e datacenters para inteligência artificial.
“Você tem as duas maiores economias emergentes do mundo, China e Índia, queimando carvão como se não houvesse amanhã. A utilização do carbono continua muito vibrante. Aí você vai para os europeus, que lideraram a agenda ESG… e eles levaram um susto, um choque com a invasão da Ucrânia. Os russos usaram como arma o fornecimento de gás natural. Então essa agenda, que era prioritária na União Europaeia, ela ainda está lá, só que ela foi para uma posição mais coadjuvante”, analisou Troyjo.
Desde o início da guerra da Ucrânia, em 2022, a Rússia cortou o fornecimento de gás para a Europa, e foi alvo também de sanções europeias que preveem eliminar totalmente a compra do combustível russo. A consequência foi um brutal aumento dos custos de energia, o que pressiona a economia no continente– gerando, por exemplo, dificuldades financeiras e de competitividade para diversos segmentos da indústria alemã, como o tradicional setor químico.
Durante discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que cunhou o termo “ESG” em 2004, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, questionou os resultados de políticas “verdes”, e apontou reflexos destas sobre a competitividade da União Europeia– em falas muito criticadas pela postura anti-esforços contra mudança climática, mas que apontaram desafios reais para a economia do bloco.
“As contas de energia elétrica na Europa são agora quatro ou cinco vezes mais caras que na China, e duas ou três vezes maiores que dos EUA… a Europa reduziu sua pegada de carbono em 37%. Parabéns, Europa. Ótimo trabalho. Isso custou para vocês muitos empregos, um monte de fábricas fechadas, mas você reduziu a pegada de carbono em 37%. E no entanto, todo esse sacrifício foi totalmente jogado fora por um aumento global de 54%, muito disso vindo da China e outros países”, afirmou Trump, em um discurso repleto de ataques a políticas para contenção da mudança climática.
Troyjo comentou que alguns especialistas, como o Jeffrey Currie, que liderou por anos a análise de commodities do Goldman Sachs, já apontaram que “não existe transição energética, mas multiplicidade de utilização de fontes de energia”, e que a situação “mais nevrálgica desde os anos 1970” no Oriente Médio, colocando em risco a disponibilidade de energia, também ajuda a mudar prioridades políticas de diversos países, com foco na segurança energética.
“As considerações ESG sobre Economia, Segurança e Geopolítica hoje me parece que prevalecem sobre Meio Ambiente, Social e Governança. E isso vai acontecer durante algum tempo ainda”, apontou o ex-chefe do Banco do BRICS. Ele não deixou de notar, no entanto, os impactos da escolha de alguns países pelos combustíveis fósseis, citando que 18 das cidades mais poluídas do mundo ficam na Índia.
ESG, ASCENSÃO E QUEDA
O acrônimo ESG surgiu em 2004, no relatório “Who Cares Wins”, iniciativa do então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em parceria com 18 instituições financeiras globais e coordenado pelo Pacto Global e pelo governo suíço; o documento recomendava a integração sistemática de fatores ambientais (Environmental), sociais (Social) e de governança (Governance) nas análises de investimento.
A expressão ganhou tração a partir de 2006, com o lançamento dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI) pela ONU, que atraíram signatários gerenciando trilhões de dólares em ativos. A importância da sigla explodiu na década de 2010, especialmente após 2015, com o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), transformando o ESG em critério central para alocação de capital, regulação e avaliação de risco por gigantes gestoras de investimentos como BlackRock e Vanguard.
Mais recentemente, principalmente com a mudança de rumo dos EUA sob Donald Trump, o tema começou a ser revisto entre prioridades empresariais, mesmo no Brasil. Pesquisa recente com líderes de negócios brasileiros realizada pela Data-Makers em parceria com a CDN mostrou que 83% deles ainda veem o tema como relevante– número elevado, mas no menor nível nos últimos três anos. E 71% disseram acreditar que o tema “perdeu importância”.