Juros mais alto significa uma taxa de desconto maior. Mas, afinal, está barato mesmo ou é uma grande armadilha de valor?
São Paulo, 30/12/2024 – Desânimo, cansaço e desistência definem a maior parte do sentimento atual da maioria dos investidores de empresas brasileiras. A despeito, principalmente, da falta de controle do governo com a responsabilidade e credibilidade fiscal, hoje temos a “bolsa mais barata do mundo”, negociando a 7x lucro 12 meses adiante. Cabe lembrar que quase sempre que um múltiplo está muito amassado é porque problemas consistentes ou estruturais estão projetando uma piora na frente – ou seja, não é algo para se comemorar.
Mas existe o outro lado, seja o do Value Investor ou do investidor que gosta de “distressed situations” – ativos estressados. O primeiro compra por julgar que o preço de um ativo está abaixo do valor intrínseco e que, por diversas métricas, a chance de ganhar no tempo acima do custo de capital é alta.
O segundo, de perfil mais arrojado, compra o que acredita estar em um preço muito assimétrico que apenas existe devido a uma dificuldade financeira ou conjuntural macroeconômica, a qual pode significar uma grande oportunidade com chances de multiplicar o capital investido.
Indiscutivelmente, o Brasil virou um grande case de “Value Investing” e de “distressed assets”. Entretanto, o value pode ser uma armadilha de valor e o distressed pode quebrar. Cabe ao investidor ter o discernimento e autoconhecimento para realizar a alocação apropriada para este momento de acordo com seu perfil.
Este tipo de fenômeno apenas acontece porque o juro real ex post está no mesmo nível da época Dilma, vide taxa pré. Quanto maior o juro real, pior o ERP (Equity Risk Premium). Ou seja, enquanto este ajuste macro de juro real acontece, ativos reais caem. O contrário, obviamente, também vale: quando o juro real começar a cair, ativos reais irão subir.
Ponto importante, além dos desafios internos, a foto do exterior também tem sido um vento contrário:
Portanto, dado esse diagnóstico de nossa situação atual, mais conhecida como foto, abaixo seguirão alguns cases de investimento que podem fazer parte de uma boa e convexa carteira de ativos brasileiros, sejam estes “value” ou “distressed” (pelo macro).
**Categorias em ordem de menor para maior risco doméstico:
(1) Exportadoras ou receitas dolarizadas com pouca correlação com atividade doméstica:
Prio (PRIO3): Sendo bastante conservador, a PRIO terá uma produção média de 110 mil barris em 2025 (excluindo entrada de Wahoo no segundo semestre). Com petróleo Brent a US$70 e um dólar abaixo de R$ 5,80, teríamos tranquilamente uma empresa a cerca de 4,5-5x lucro com um Free Cash Flow Yield (caixa livre gerado em relação à capitalização de mercado) de 20-25%. Em paralelo, estão sendo agressivos na recompra de ações e devem anunciar outra ainda em 2025. A tese envolve qualidade, múltiplo baixo e alto retorno ao acionista pela alocação de capital da companhia.
Vale (VALE3): Os tempos têm sido difíceis para Vale. Porém, apesar de todo desembolso para 2025, mesmo se projetarmos um minério ferro médio de US$95,0, temos uma empresa com geração de caixa alto e um dividendo ao redor de 8%. Após os desembolsos, naturalmente, este dividendo será maior para os próximos anos.
Braskem (BRKM5): Braskem vem desde o segundo semestre de 2022 enfrentando um ciclo de baixa bem forte. O ano de 2023 como um todo foi horrível e o começo de 2024 também. Entretanto, os spreads têm melhorado sequencialmente e é provável que em 2025 a Braskem deixe de queimar caixa, o que seria uma grande evolução. Existe uma oferta excessiva de petroquímicos vindo da China que tem pressionado os spreads. Por isso, novos investimentos no setor estão paralisados e muitas plantas foram fechadas. Espera-se um ciclo mais forte para 2026 e o preço de entrada em Braskem está bastante atrativo. Por fim, existe sempre a possibilidade da venda da fatia da Nonovor. Entretanto, este evento está mais apagado nas últimas semanas e meses.
Unipar (UNIP6): Segue a mesma lógica de Braskem, mas com um risco menor devido à estrutura de capital estar mais equilibrada. Da mesma forma, tem menos ruídos relacionados aos principais acionistas.
Kepler Weber (KEPL3:) Múltiplo baixo, sem dívidas, bons dividendos e uma forma de surfar o agronegócio mais forte em 2025. A Kepler encontra-se bem protegida de uma eventual desaceleração da atividade doméstica devido aos juros mais alto. Seus clientes têm receita em dólar, logo, uma moeda norte-americana mais forte os deixa mais bem posicionados.
SLC Agrícola (SLCE3): Negociando com um belo prêmio abaixo do Net Asset Value (NAV), a SLC é uma boa escolha de viés defensivo. Devido ao dólar mais forte e melhores preços das commodities agrícolas, o fluxo de caixa da companhia irá aumentar e os dividendos também.
(2) Utilities – Serviços essenciais categorizados como defensivos:
Eletrobras (ELET3): A mais recente “cash cow” da bolsa. Os dividendos da Eletrobras podem ser de cerca de 10% em 2025, combinado a uma geração de caixa forte, eficiência de custos e acordo com o governo (um belo trigger).
Sanepar (SAPR11): Múltiplo baixo, dividendo na casa de 7%-8% e um trigger provável para 2025: a venda de um precatório de R$3,9 bilhões – quase metade do valor da companhia. Este valor, provavelmente, irá virar dividendo aos acionistas.
Equatorial (EQTL3): Equatorial teve seu primeiro ano negativo da história. Uma empresa com um histórico ímpar de entrega e uma Taxa Interna de Retorno real na casa de 13%-14%. O problema é que está numa relação Dívida Líquida/Ebitda de 4x. Entretanto, dado o setor que compõe e melhorias operacionais de diversas adquiridas, incluso Sabesp, tem um potencial alto à frente. Mas não espere dividendos.
Celesc (CLSC4): Menos conhecida mas boa, bonita e barata. Negocia a 4x lucro e tem potencial de pagar dividendos altos também, a partir de um piso de 5% em 2025.
(3) Domésticos com dívida pequena / sem dívida e muita margem de segurança:
Itaú (ITUB4): Itaú se mostrou ser à prova de balas. O desconto hoje, de 1,5x patrimonial e 6,8x lucro 2025, faz com que Itaú seja uma compra com uma ótima margem de segurança. Na minha opinião, melhor que os pares que “parecem” mais baratos.
Lojas Renner (LREN3): Apesar de ser do varejo tradicional, ser caixa líquido e com uma operação geradora de caixa a coloca em vantagem ante a seus concorrentes. Não cresce igual C&A e tem um risco de crédito menor que Guararapes. A 9x lucro 2025, mesmo que não cresça, vale olhar com carinho Lojas Renner.
Grupo Mateus (GMAT3): Setor defensivo que fica blindado de uma piora operacional devido ao risco de segunda ordem, que é uma economia mais fraca. Em paralelo, diferente de seus pares em bolsa, tem uma estrutura de capital bem leve e fica protegido dos principais malefícios de um juros mais alto.
Moura Dubeux (MDNE3): Uma estrutura de capital leve com um múltiplo realmente muito baixo. Notoriamente, o mercado já antecipa uma piora para 2025. Entretanto, mesmo que venha, continuaria muito barata. Em paralelo, está ligada ao segmento de alta renda e possui uma boa previsibilidade.
Profarma (PRFM3): É um segmento defensivo com crescimento e dividendos altos. Mesmo se deixar de crescer, continuaria atrativa e, provavelmente, poderia pagar mais dividendos. Em paralelo, também possui uma ótima estrutura de capital que a protege de uma despesa financeira mais elevada.
Inter & Co (INBR32): O histórico de entrega tem sido consistentemente acima do projetado pelo mercado. Em paralelo, a parte de maior risco, que é crédito, tem 60% da carteira com ativos de colateral. A outra parte, em sua vasta maioria, são de clientes ativos do banco, ou seja, de maior controle e “know how” do Inter. Negociando a 8x lucro 2025, com um guidance de Lucro Líquido sobre Patrimônio Líquido (ROE) de 30% em 2027, é uma ação com uma assimetria bem favorável.
(4) Empresas domésticas de maior risco devido a dívida relativamente alta:
*Obs: Estas aqui, como dito, possuem um risco maior. Dependendo do tamanho do juro real ou o tempo que permaneça alto, são empresas cujo equity está muito mais exposto – tanto pelo custo de dívida quanto pela possível piora da economia doméstica. Da mesma forma, em uma eventual melhora macro (juro real menor), são as que tem o maior potencial de retorno. *
Ânima Educação (ANIM3): Não é trivial dado o endividamento atual e um dividendo extraordinário fora de hora. Porém, mesmo com o juro atual, tem capacidade de seguir gerando caixa (em detrimento de crescimento e capex). O foco da companhia deveria ser amortizar dívida para ficar mais leve.
Cogna (COGN3): Mesmo com uma Selic média de 14% em 2025, vai ser uma boa geradora de caixa. Isso acontece devido ao excelente trabalho de gerenciamento de riscos e de melhora operacional. Mesmo nesse cenário, temos uma companhia a pelo menos 20% de FCFY em 2025 e cerca de 6x lucro.
CVC (CVCB3): A companhia tem realizado um turnaround maravilhoso. Após 18 trimestres de prejuízo, deu o primeiro lucro líquido no terceiro trimestre de 2024, junto a uma boa geração de caixa livre. Conseguiu reduzir seu custo de dívida, possui uma estrutura de capital melhor e tem melhorado o operacional com maestria. O risco aqui fica nos juros sobre dívida e em uma piora da economia doméstica, que a afetaria diretamente.
Simpar (SIMH3): É quase inacreditável ver que a capitalização de mercado da Simpar é de apenas R$3,0 bilhões. Contudo, dá para entender, afinal, temos um Valor da firma de R$44 bilhões. O endividamento da Simpar virou uma bola de neve bem perigosa que só tende a piorar enquanto o juros estiver neste nível. A Simpar tem algumas saídas: redução de capex e venda de ativos. Mas não é um caminho fácil. Porém, a opcionalidade dela é muito assimétrica caso tenhamos uma eventual melhora macro, via queda de juros.
Assaí (ASAI3): Em tese, está em um setor defensivo que repassa inflação com bastante facilidade e cresce independente da economia, afinal, as pessoas não deixarão de fazer compras. Entretanto, por rodar a 3x Dívida Líquida/Ebitda, o fato de estar em um setor defensivo foi ofuscado. De toda forma, mesmo com juros a 14%, seguiria sendo uma empresa geradora de caixa e com crescimento de dois dígitos baixo no topline. Neste modelo, estaria negociando a 10% FCFY e a 10,5x-11x lucro para 2025.
***
Usem o que foi escrito aqui para refletirem e estudarem com responsabilidade. O risco é alto, mas o retorno potencial também. Garanto que dá para fazer uma carteira bem equilibrada filtrando estes ativos.
Por fim, desejo a todos leitores, clientes, cotistas e amigos um feliz ano novo! A sorte sempre será uma recompensa daqueles que a merecem.
(Fernando Marx é contribuidor no TC e trader no TC Cosmos)