São Paulo, 22/8/2024 – A contundente postura do diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo,que nas últimas duas semanas tem sido mais duro, ou ´hawkish´, em falas sobre riscos inflacionários e possibilidade de alta de juros, passou subitamente – e surpreendentemente– a contrastar com tom mais suave do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, que alertou para as precificações do mercado quanto à alta de juro.
A aparente troca de papéis no Comitê de Política Monetária do BC tem ancorado expectativas de IPCA e arrefecido a deterioração recente do câmbio, após Galípolo e outros diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terem sido vistos como mais lenientes com inflação, ou “dovish”, na sequência de divisão do colegiado em maio, em que deram votos vencidos reduzir o juro em 50 pontos-base.
Desde 8 de agosto, quando Galípolo disse ver o atual balanço de riscos do Copom como “assimétrico”, e mostrou desconforto com projeção de inflação “acima da meta” para o primeiro trimestre de 2026, horizonte relevante, recuperou parte da credibilidade colocada em jogo outrora, e a maior parte do mercado agora precifica uma alta da Selic já em setembro.
Quatro dias depois, em outra aparição pública, Galípolo foi ainda mais enfático, e pontuou que uma alta de juro “está sim na mesa do Copom”. Também defendeu a construção de credibilidade via “fala e ações que sejam coerentes” – estabelecendo metáfora com o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, ao pontuar que “olhar para um lado e tocar para o outro” seria um “gol contra” para um diretor do BC.
As falas, ainda que parte em tom de brincadeira, suscitaram visão entre operadores e bankers na Faria Lima de que Galípolo, cujas aparições ganham cada vez mais peso na agenda econômica, busca ocupar posto de protagonista na reancoragem de expectativas.
O esforço conjunto por parte de membros do BC para afastar desconfianças de eventual leniência do Copom com relação à meta de inflação a partir da próxima gestão, em 2025, também teve efeitos no curto prazo – após Campos Neto tratar de mostrar compromisso de equipe dos membros do colegiado. A mediana de projeções para a inflação ao fim de 2025 recuou a 3,91% de acordo com o último Boletim Focus, ante 3,97% na semana anterior.
LONGE DEMAIS?
Mas o esforço para garantir credibilidade à política monetária não passou despercebido entre gestores de multimercados no evento Macro Day, promovido pelo BTG nesta semana. Luis Stuhlberger, da Verde Asset, alertou que o BC se colocou em “um corner” com as falas de Galípolo, ironizando a postura do diretor.
“Ele vai a uma festa de debutante, e fala que vai elevar o juro. Ninguém pediu a ele que falasse isso. Espontaneamente, por onde ele vai, ele diz que vai elevar o juro e que a inflação está desancorada. Foi longe demais.”
Em tom visto como mais leve que as falas de Galípolo, Campos Neto alertou queeconomistas não precificam retomada do ciclo de aperto monetário, diferente da Faria Lima. “O mercado já vinha colocando um pouco de expectativa de alta na curva. Mas não depende só do mercado, precisa olhar o cenário daqui para frente”, afirmou, em entrevista publicada por “O Globo” no dia do evento do BTG.
Para André Jakurski, da JGP, Campos Neto é quem soa “dovish” neste momento, enquanto Galípolo assume inesperada postura “hawkish”.
Nesse cenário, o BTG passou a projetar alta de 25 pontos-base pelo Copom no próximo mês, e Selic indo a 12% no início de 2025, por avaliar que a comunicação do BC já foi “longe o necessário” para permitir início do aperto monetário.
Em meio à repercussão das falas recentes, Galípolo disse hoje em evento da Fenabrave que está satisfeito com a interpretação do mercado para suas palavras. Ele também respondeu indiretamente Stuhlberger, discordando de que tenha colocado o BC “no corner”. Mas uma afirmação de que seu discurso não sanciona a precificação da curva de juros contribuiu para aumentar a volatilidade e levou o dólar a tocar máximas na sessão.
“VAI MORDER?”
O estrategista macro da Genial, Roberto Motta, em live nesta quinta promovida pela plataforma de investimentos, também notou remodelação recente do discurso de Galípolo, mas entende que as falas duras contrataram um problema para o próprio diretor.
“Galípolo agradeceu pela interpretação que o mercado deu às falas dele. Depois, disse não ser ‘Ronaldinho Gaúcho’. Ele latiu muito. Quem late muito, ameaça morder, e não morde, perde um pouco de credibilidade. Acho que Galípolo se colocou em uma situação que tem de ser questionado dentro do comitê.”
Se de fato elevar juros em em 18 de setembro, o Copom retomaria o aperto monetário horas após reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), na qual há expectativa unânime de redução da taxa-alvo Fed Funds– em um ciclo monetário dessincronizado e pouco usual na história recente.
O JPMorgan notou, na semana anterior, que uma situação como essa ocorreu apenas duas vezes nos últimos 15 anos: pós-Crise Financeira, em 2008, e entre os anos de 2017 e 2018, quando o FOMC elevava seu juro quase uma década após taxa-alvo Fed Funds ultrabaixas – e o BC os reduzia, sob gestão de Ilan Goldfajn.
Contra a visão da maior parte do mercado,o analista-chefe da Warren, Frederico Nobre, não vê a alta de juro como mais provável. “Particularmente, vejo que um ajuste na Selic de 25 pontos-base agora teria pouco impacto no horizonte relevante. Seria muito mais uma questão de o BC estar refém das expectativas do mercado e da dinâmica do mercado que outra coisa”, opinou, ao participar do Traders Cast, do TC.
Nobre também avaliou que Galípolo tem dado declarações “ensaboadas”, sinalizando alta de juro, mas depois dizendo que não é “guidance” e mostrando incômodo com o tom de algumas notícias sobre seus discursos. “Fica um pouco nebuloso”.
(LB + GP | Edição: Luciano Costa | Comentários: equipemover@tc.com.br)