Por Luca Boni e Juliana Machado
Os preços ainda atrativos de ações brasileiras e a maior propensão à tomada de risco no exterior devem sustentar o interesse estrangeiro pela bolsa local. Após o forte ingresso de recursos “gringos” na B3 no ano até julho, especialistas ouvidos pela Mover acreditam que o fluxo não deve mudar a direção, embora a intensidade possa variar.
Dados da B3 mostram que o saldo de investimentos estrangeiros no mercado secundário, isto é, de ações já listadas, já soma R$13,3 bilhões no ano até o dia 22 de agosto. Depois de uma tendência mais positiva no fluxo até julho, a piora no cenário internacional a partir de receios com a China e da alta de juros nos Estados Unidos inibiu uma parte do fluxo – somente em agosto até o dia 22, as saídas somam R$10,8 bilhões.
Segundo o chefe da área de análise de um grande banco de investimento que pediu para não ser identificado, as condições econômicas e políticas no Brasil melhoraram, o que deveria ser suficiente para trazer os estrangeiros para cá. “Por outro lado, a alta de juros nos EUA recente estimula a volta para ativos americanos. No curto prazo, esse movimento me parece dominante”, disse ele.
Para o diretor de investimentos da Western Asset, Paulo Clini, o fluxo estrangeiro deve seguir positivo até o final do ano, embora não necessariamente na mesma intensidade. Segundo ele, com a inflação global mais controlada, a leitura da maioria dos investidores é de que os juros em economias desenvolvidas não devam subir muito além do patamar atual, o que aumenta a propensão à tomada de risco.
“A maioria das bolsas tanto de países desenvolvidos quanto de emergentes tem performado positivamente e a chave principal para isso é o arrefecimento da inflação mudo afora”, afirmou.
Clini também ressaltou que o “valuation”, ou preço, do Ibovespa pode colaborar com a continuidade do fluxo positivo. “O mercado teve uma boa valorização nos últimos meses, mas, mesmo assim, o índice é negociado abaixo da média na relação preço sobre lucro”, afirmou. “Com a combinação do ambiente global mais propenso ao risco e com o ‘valuation’ atrativo no mercado local, o fluxo deve continuar.”
Na visão do CIO da Franklin Templeton, Frederico Sampaio, o fluxo para as ações no primeiro semestre foi resultado da antecipação do início do ciclo de corte da Selic e o país ainda segue atrativo porque está “barato”. Nos cálculos dele, a relação entre preço e lucro do Ibovespa está em 8,5 vezes, contra uma média histórica de 11,5 vezes.
Nesse contexto, para Sampaio, o país depende do avanço da agenda de reformas e compromissos fiscais do governo para ver uma nova onda de fluxo estrangeiro para a bolsa. “O Brasil depende apenas do Brasil”, disse. “A entrada de um fluxo robusto vai depender muito de termos crescimento, estabilidade de regras e compromisso fiscal. Se ficarmos sem crescimento, com narrativas confusas, seremos arrastados pelo exterior.”
Ao mesmo tempo em que veem espaço para a continuidade da procura estrangeira por ações locais, os especialistas ouvidos pela Mover reforçaram que as ofertas iniciais de ações (IPOs) e as subsequentes, ou “follow-on”, podem drenar o fluxo para o mercado secundário. Isso porque tais operações disputam a atenção do capital estrangeiro, sobretudo diante de uma potencial janela de novas emissões de ações após a redução dos juros no Brasil.
No entanto, os aspectos que podem de fato atrapalhar a entrada do fluxo internacional na bolsa brasileira são retrocessos locais, na agenda fiscal ou no crescimento, e uma eventual reversão do quadro de desinflação nos Estados Unidos – o que poderia forçar o Federal Reserve a estender ou intensificar o ciclo de elevação dos juros e levar o investidor de volta à renda fixa americana.
Esta reportagem foi publicada primeiro no Scoop, às 15H36, exclusivamente aos assinantes do TC. Para receber conteúdos como esse em primeira mão, assine um dos planos do TC.