Especial FLJ Super Quarta

Fed enfrenta dilema entre fazer mais ou menos em ciclo de corte de juros

Reuters News Brasil
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Brasília, 16/9/2024 – O Federal Reserve deve iniciar um muito aguardado ciclo de corte de juros na economia norte-americana na decisão desta quarta-feira, diante de uma trajetória de desinflação sustentável e um alívio contínuo no mercado de trabalho, embora os membros do comitê lidem com um dilema inquietante: começar com alívio gradual de 25 pontos-base ou um corte de 50 pontos-base para evitar uma recessão?

O Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) iniciará sua reunião de dois dias nesta terça-feira, e divulgará a decisão na quarta, às 15h00. O chair do Fed, Jerome Powell, fala à imprensa às 15h30. As apostas para um corte de maior magnitude, de 50 pbs, ganharam força entre operadores ao fim da semana anterior, apoiadas em informações da mídia.

O especialista em Fed do Wall Street Journal, Nick Timiraos, reportou que os dirigentes estão “nervosos” em manter a taxa-alvo Fed Funds em nível muito elevado por tempo longo, por riscos de que isso fabrique uma recessão econômica nos Estados Unidos, algo que Powell tenta evitar desde que iniciou o ciclo de alta dos juros, em março de 2022.

Powell manteve as opcionalidades sob a mesa em discurso no simpósio econômico de Jackson Hole, em agosto, quando afirmou que o “timing” do ritmo de cortes de juros dependerá dos fatos futuros, da evolução do cenário e do balanço de riscos. “Chegou o momento para a política ajustar”, afirmou ele na ocasião.

O debate sobre o duplo mandato do Fed, de perseguir o pleno emprego e a estabilidade de preços, tem se concentrado recentemente no mercado de trabalho, especialmente após os dados da geração líquida de postos de trabalho de julho, mensurado pelo Payroll, virem abaixo do consenso. Segundo Timiraos, do WSJ, Powell “surpreendeu alguns” em Jackson Hole com seu apelo para que se voltasse a atenção aos riscos do mercado de trabalho.

A magnitude do corte dos juros nesta quarta e os comentários de Powell também poderão ser reveladores acerca do ritmo de alívio a ser implementado pelo FOMC nas reuniões de novembro e dezembro. “A quantidade de cortes ao longo dos próximos meses será muito mais importante do que se o primeiro corte será de 25 ou 50 pbs”, afirmou o ex-conselheiro sênior de Powell, Jon Faust, ao WSJ.

A última vez que o FOMC elevou os juros foi em julho de 2023, para o intervalo entre 5,25% e 5,50%, em um processo para arrefecer uma inflação teimosamente alta – ainda na esteira dos efeitos da pandemia da Covid-19. Desde então, a manutenção das Fed Funds já dura 14 meses, no terceiro mais longo ciclo, atrás apenas de março de 1997 a setembro de 1998 (18 meses), e junho de 2006, a setembro de 2007 (15 meses), de acordo com levantamento da Refinitiv.

APOSTAS DO MERCADO

O JPMorgan crê que o Fed deveria cortar em 50 pbs na quarta, como forma de se ajustar à mudança do balanço de riscos, embora o resultado da decisão seja “menos claro”. “Com um corte de 50 pbs, projetamos que Powell irá transmitir, com otimismo, que está preservado o pouso suave”, afirmou o chefe de economia para os EUA da instituição, Michael Feroli, no relatório.

O Goldman Sachs, na outra ponta, segue projetando corte de 25 pbs nesta quarta, sob visão de que o comunicado dasautoridades do Fed antes do período de silêncio está condizente com um corte de menor magnitude. Timiraos, do WSJ, também notou que o Fed usualmente prefere movimentos graduais, e um corte de 25 pbs presume que a economia esteja “fundamentalmente bem”.

No relatório trimestral “Dot-Plot”, que será divulgado junto com a decisão do Fomc, a mediana de projeções dos dirigentes do comitê deve reduzir o patamar da taxa-alvo Fed Funds ao fim de 2024 a 4,625%, ante 5,125% estimados em junho, o que contemplaria três cortes de 25 pbs cada nas reuniões de setembro, novembro e dezembro, de acordo com relatório assinado pelo chefe de estratégia em taxas para os EUA do Bank of America, Mark Cabana.

“As autoridades do Fed não sinalizaram uma redução de maior magnitude antes do período de silêncio e, desde então, os dados de inflação nos EUA têm sido ligeiramente mais firmes. Relatórios da mídia especulando sobre um corte de 50 pbs contra 25 pbs nos sugere o sentimento do mercado, e não um sinal explícito do Fed durante o período de silêncio”, complementou Cabana, do BofA.

O núcleo da inflação ao consumidor – que exclui itens voláteis – avançou 0,3% em agosto na base mensal, ligeiramente acima do consenso, de 0,2%, de acordo com dados do Departamento de Trabalho. Na mesma toada, a inflação de preços ao produtor avançou 0,3% em agosto, ligeiramente acima do consenso, de 0,2%. Ainda assim, na base anual, ambas leituras exibem uma trajetória de desinflação sustentável, consistente com o requerido pelas autoridades para o corte do juro.

Mesmo com dados de preços que apoiam um corte de menor magnitude nesta quarta, derivativos negociados na Chicago Mercantile Exchange (CME) seguem indicando apostas majoritárias em uma maior redução. No início da tarde desta segunda, investidores projetavam 59,0% de chances de um corte de 50 pbs, ante 41,0% de chances de uma queda de 25 pbs.

Para defensores de um corte de 50 pbs, como Bill Dudley, ex-presidente do Fed de Nova York, as justificativas são plausíveis: a taxa de desemprego avançou 0,8 ponto percentual desde o menor nível observado em 2023, o ritmo de alta dos ganhos salariais recuou abaixo de 4,0% na leitura anual, e o núcleo do PCE – medida de inflação favorita do Fed – gira em torno de 2,5% ao ano.

De acordo com ele, a política monetária encontra-se restritiva, quando deveria ser neutra ou até mesmo estimulativa. Dudley calcula os juros rodando até 200 pbs acima do nível neutro, aquele que não contrai e nem estimula a atividade econômica.

Powell e os membros votantes se deparam, nesta semana, com um conflito incessante. Iniciar fazendo mais, diante de riscos de um enfraquecimento adicional da atividade até novembro, ou limitar o escopo de atuação, sob temores de uma reaceleração da inflação. Ao menos uma coisa é quase certa: Powell seguirá reiterando uma abordagem “dependente de dados”.