Por Fabricio Julião
Um conjunto de fatores levou o Brasil a um cenário melhor do que era esperado no início do ano. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre surpreendeu e motivou alta nas projeções do indicador para 2023; a inflação está caindo mais rápido do que o esperado; e a expectativa de um corte da taxa básica de juros, a Selic, intensifica-se.
No entanto, mesmo com o Brasil surpreendendo em todas essas frentes, o ambiente positivo para o país nos próximos anos não depende somente do cenário doméstico. Especialistas ressaltam que, dos quatro anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, este será o mais desafiador por dois motivos: Estados Unidos e China.
Até aqui, o cenário de “céu de brigadeiro” no Brasil impulsionou a bolsa. O Ibovespa já oscila acima na faixa dos 117 mil pontos, enquanto o dólar vem apresentando sucessivas quedas e já se acomoda em um patamar abaixo dos R$5,00. O mesmo vale para os contratos de juros futuros, em tendência firme de declínio nas últimas semanas.
Enquanto o Brasil surpreende positivamente, na contramão, Estados Unidos e China ampliaram as tensões no primeiro semestre. A economia americana, assim como a brasileira, lida com a alta inflação e precisou elevar os juros no maior patamar desde 2007. Esse remédio amargo trouxe de volta à mesa neste começo de ano o fantasma da recessão, com muitos economistas pessimistas em relação ao futuro da economia do país.
“Tivemos muitos acontecimentos que impactaram a economia americana no começo do ano. A alta dos juros contribuiu para a quebra de bancos por lá e fez com que o Fed repensasse a condução da sua política monetária. Mas a situação não é das melhores. Os Estados Unidos já estão em recessão na manufatura e acredito que serviços possam ruir neste terceiro trimestre”, pontuou um economista ligado a uma gestora.
A China também apresentou dados da atividade econômica que preocuparam o mercado. A expectativa em torno da retomada do gigante asiático após deixar as barreiras impostas devido à política de “Covid zero” era grande — e os resultados não têm correspondido. O impacto disso para o Brasil, é claro, são as commodities, cujos movimentos estão diretamente ligados ao desempenho do Ibovespa.
China e Estados Unidos corresponderam a 42,1% das exportações brasileiras em 2020, antes dos impactos causados pela Covid-19, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Isso significa que quase metade dos produtos brasileiros tinham destino traçado em direção a esses dois países, sendo 28,7% para a China e 13,4% para os EUA. Em 2022, isso diminuiu. A China comprou 26,8% das exportações brasileiras, e os Estados Unidos, 11,2% — totalizando 38%.
Portanto, cenários de desaceleração econômica e até mesmo de eventual recessão nesses em algum dos dois países traria grandes perdas ao Brasil. “Se a China tombar, eu não sei o que acontece aqui”, disse um profissional ligado a uma corretora, que pediu para não ser identificado.
Os temores com o crescimento das duas maiores economias do mundo já se refletem no desempenho das commodities. Os futuros de soja têm queda acumulada anual de 10,71% na bolsa de Chicago, enquanto os futuros de milho recuam 10,94% no mesmo comparativo. Já o petróleo Brent acumula queda de 10,43% no ano, mesmo com as tentativas sauditas de elevar o preço do barril com cortes de produção. Por fim, o minério de ferro negociado em Cingapura declina 6,27% até o momento em 2023 — o que retrata o forte sinal de receios com a economia chinesa.
Mesmo com um primeiro semestre marcado pelo recuo das commodities, a balança comercial brasileira vem atingindo recordes. Em maio deste ano, foi registrado superávit de US$11,4 bilhões — o maior valor da série histórica iniciada em 1989. Isso é resultado, entre outros fatores, do aumento da safra do país. Segundo estimativa do IBGE, a safra nacional pode atingir 302,1 milhões de toneladas este ano, valor 14,8% maior que o registrado em 2022. Ou seja: com preços deprimidos, é o volume maior de produção que tem sustentado a balança no azul.
A conjuntura no Brasil fez com que a dispersão entre as estimativas dos analistas em relação à data do corte de juros diminuísse. Há dois meses, economistas divergiam quanto a uma queda da Selic de 25 pontos-base entre maio deste ano e abril de 2024. Agora, as apostas são quase unânimes que haverá um corte pelo Banco Central no segundo semestre de 2023, com possibilidade, ainda que menor, de o ciclo ser iniciado em agosto, com um corte de 50 pontos-base.
Porém, ao dissecar o PIB brasileiro, é possível observar que mesmo internamente o país ainda tem um caminho a pavimentar para manter o cenário otimista em voga. A indústria e a formação bruta de capital fixo tiveram números negativos no indicador, na contramão da explosão do agronegócio. Além disso, o consumo das famílias não teve melhora significativa, outro reflexo dos juros elevados. Assim, a tendência é que o PIB desacelere de agora em diante, segundo fontes consultadas.
Ainda nesse cenário, vale destacar o diferencial de juros entre o Brasil e o exterior. A Selic menor contribui para a atividade doméstica, impulsionando a indústria e os setores mais sensíveis aos juros, e pode reduzir a taxa de desconto que impacta a avaliação de ativos. Mas, se por um lado o corte antecipado da Selic ajuda o país a seguir no ritmo de crescimento, por outro, a menor diferença entre os juros aqui e lá fora joga contra a atratividade do país, já que isso motiva a saída de recursos do mercado local para ativos de economias desenvolvidas, com risco menor.
Por fim, embora o cenário doméstico esteja sendo visto com bons olhos atualmente após a aprovação do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados e o avanço nas conversas sobre a reforma tributária, o desafio para colocar as contas públicas brasileiras nos trilhos pode fazer com que investidores e empresários tirem o pé do acelerador. Isso porque as metas primárias de Fernando Haddad, para serem atingidas, vão demandar um grande esforço arrecadatório, e economistas preveem a necessidade de cortes de gastos para que o déficit público seja zerado em 2024.
Logo, novas inquietações podem surgir nos próximos meses, caso o marco fiscal passe a ser visto como uma regra de gastos frouxa e com pouca credibilidade. Nesse cenário, o céu de brigadeiro deixará de ser uma realidade em pouco tempo.
Esta reportagem foi publicada primeiro no Scoop, às 15H12, exclusivamente aos assinantes do TC. Para receber conteúdos como esse em primeira mão, assine um dos planos do TC.