São Paulo, 30/07/2025 – Após uma chegada triunfal ao Brasil em 2017, com planos agressivos de expansão, o grupo indiano de transmissão de energia Sterlite– hoje sob nome Two Square Transmission– entrou em processo de recuperação extrajudicial, citando total de dívidas de R$1,3 bilhão e listando BTG, Santander e Itaú entre os credores.
A companhia, que na Índia chegou a ter parceria com o grupo de investimentos KKR, chegou ao mercado brasileiro prometendo investir US$1 bilhão por ano, mas diz que passou a enfrentar problemas associados à macroeconomia, agravados pela elevação dos juros e as dificuldades causadas pela pandemia.
O Brasil registrou recorde de recuperações judiciais em 2024, com 2,2 mil solicitações, e também em processos extrajudiciais, que cresceram 16% ante o ano anterior, segundo um observatório do setor. Mas o caso da Sterlite chama atenção por ocorrer em setor qualificado recentemente pelo diretor financeiro da Eletrobras, Eduardo Haiama, como “segmento mais estável da economia brasileira”.
Observadores dos negócios em transmissão de energia não ficaram em choque com a notícia. A Sterlite buscava um comprador há algum tempo, em meio à crise financeira, após uma aposta anterior na venda de projetos isolados.
Apesar da chegada meteórica, com lances agressivos em suas primeiras participações em leilões de transmissão no Brasil e planos ousados, a empresa teve uma trajetória errática, logo recuando no apetite e começando até a vender ativos.
“Nunca deu para entender a estratégia deles direito. Depois de um início que chamou atenção de todo mundo… sempre pareceram prontos a vender tudo e sair do país a qualquer momento”, disse uma fonte do setor, sob a condição de anonimato.
TRAJETÓRIA
Em 2018, a Sterlite falava em investir US$4 bilhões no Brasil nos anos seguintes. Em 2019, começava a vender alguns projetos, como Arcoverde e Novo Estado, em negócios com Vinci Energia e Engie. Depois alternou entre mais vendas de ativos e participações em leilões, enquanto visivelmente enfrentava dificuldades em avançar com alguns projetos, que atrasavam, gerando preocupação, segundo fontes.
Nos documentos da recuperação extrajudicial, a hoje Two Square Transmission afirma que passou a enfrentar dificuldades financeiras em 2018, “em decorrência de fatores macroeconômicos de ordem global, que se agravaram em razão do aumento das taxas de juros praticadas no Brasil e das dificuldades causadas pela pandemia do Covid-19”.
“Tais dificuldades afetaram diretamente a execução dos projetos”, afirmam os advogados da Sterlite. A empresa diz que “a despeito do esforço inclusive mediante aportes e mútuos concedidos por sua acionista”, “não será possível arcar com todos os pagamentos das obrigações nos termos e condições originalmente previstos nos instrumentos de dívida”.
O BTG Pactual Energy Debt é o maior credor, com R$601 milhões, seguido por Banco Santander Brasil, com R$72,5 milhões, e Banco Modal, com R$57,2 milhões, Itaú tem R$22,5 milhões em exposição, Sumitomo tem R$34 milhões. Oliveira Trust é credora em R$595 milhões.
A Sterlite possui cinco concessões em operação e três contratadas, com ativos nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. As operacionais chegam a cerca de 1.300km em linhas, com potencial de 2 mil km se todas as obras fossem concluídas.
A companhia diz que, com a pandemia, “a pressão inflacionária global elevou – e muito- o custo da matéria-prima utilizada nas linhas de transmissão e/ou subestações, especialmente no que diz respeito ao aço, cujo aumento se deu em 225%”. Os impactos da Covid “geraram substanciais prejuízos à cadeia global de suprimentos, resultando em atrasos significativos no cronograma de execução dos empreendimentos do grupo”.
Os atrasos, além de postergarem receitas, sujeitam a empresa a multas. A Sterlite também alega “atraso significativo” na obtenção de licença ambiental de operação de um projeto, “em razão de greves realizadas pelos funcionários do Ibama”. Esses atrasos “geraram custos adicionais superiores a R$200 milhões”, alegam os indianos.
A Sterlite também cita a escalada da Selic, de 4,15% em 2020 para 10,65% no início de 2022, “o que impactou severamente a liquidez”. Sem qualquer renegociação, “seria necessário um aporte adicional superior a R$820 milhões para compensar o valor patrimonial negativo — o que hoje é impossível”.
AVENTURA TERMINA MAL
Nos últimos anos, o setor de transmissão de energia do Brasil tem sido um dos mais aquecidos da economia, com leilões que viabilizam investimentos de dezenas de bilhões de reais por ano em novas linhas e atraem gigantes locais e estrangeiras para concorrências acirradas pelos projetos. As empresas recebem receitas fixas e reajustadas pela inflação pela operação dos empreendimentos, em contratos de 30 anos, estáveis e previsíveis, o que torna o negócio atrativo, e visto como de baixo risco, em geral.
Mas o caso da Sterlite evidencia como o risco existe, principalmente para novos entrantes e companhias menores, que não possuem grandes ativos para compensar eventuais problemas com projetos específicos.
O setor, com a fama de bom retorno e risco controlado, também viu dificuldades de outra novata, a Mez Energia, criada por herdeiros da Eztec, que foram atraídos pela fama de bom negócio da transmissão, mas enfrentaram desafios incluindo pandemia, que levaram ao atraso de projetos e ameaças de perda de concessão pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).