Petroleiras estatais latinas YPF e Petrobras (PETR4) surpreendem com disparada na bolsa neste ano

Movimentação ganha destaque nas bolsas argentina e brasileira

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Por Felipe Corleta e Luciano Costa

As ações da petroleira estatal argentina YPF e da brasileira Petrobras (PETR4) têm se destacado entre as principais altas das bolsas de seus respectivos países neste ano, em desempenho antes visto como improvável por muitos analistas, e que surpreende devido aos riscos políticos inerentes a ambas as empresas.

No caso da YPF, os papéis são impulsionados por expectativas de mudança política na Argentina, em meio às eleições presidenciais neste ano, e por uma visão sobre o potencial de longo prazo das reservas de gás de Vaca Muerta, que estão entre as maiores do mundo, segundo gestores, investidores e um banqueiro ouvidos pela Mover.

Já a Petrobras é embasada por sentimento do mercado de que as mudanças na estatal sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não mostram alteração radical de rumo, como esperado inicialmente, segundo relatórios de bancos de investimento.

No mercado argentino, as ações da YPF saltam 58,4% em dólares no acumulado do ano, enquanto em pesos os ganhos atingem 124%, ou mais de 750% em 12 meses. Os papéis preferenciais da Petrobras na B3, por sua vez, avançam 47% em 2023, e 84% em 12 meses.

Para o empresário e investidor argentino Nicolás Levy, o mercado da Argentina “ainda não está exagerando e tem muito para correr”, com a bolsa precificando as grandes chances de eleição de um governo “pró-mercado”, devido à baixa popularidade do atual presidente Alberto Fernandez, de esquerda. O empresário detém posição comprada em bolsa argentina e em títulos de dívida da YPF.

“A Argentina tem tudo para ter alguns anos muito bons depois de uma década péssima”, afirmou Levy, que vê os ativos locais negociados “no piso”.

O assessor financeiro sediado em Buenos Aires Juan Goicoa destacou à Mover que as pesquisas eleitorais provinciais mostram o avanço do partido JxC, de centro-direita, no pleito à presidência. Ele mantém o otimismo com o mercado argentino, em especial com as ações da Vista Energia e com títulos de dívida soberana do país, negociados a amplos descontos.

“As províncias argentinas obtiveram equilíbrio fiscal, e o governo federal não está longe de atingi-lo”, disse Goicoa.

Ele também segue otimista com o setor energético do país. Em sua visão, a ativação dos oleodutos OTASA e Oldeval, assim como a inauguração nesta semana do gasoduto Néstor Kirchner, podem reduzir os gargalos de produção e trazer, inclusive, superávits da balança comercial para o país em breve. Neste ano, a Argentina deve apresentar estabilidade de conta corrente, em função da seca que impacta a produção agropecuária no país.

O fundo de índice ARGT, da GlobalX, sobe 32,5% neste ano nos Estados Unidos. Além da YPF, outros papéis sobem forte na NYSE: os ADRs do banco BBVA ganham 23,8%, e os do banco Grupo Galícia, 73,4%. Na B3, os futuros do Índice Merval avançam 100% no ano.

Goicoa comparou a situação atual com a de 2015, quando Mauricio Macri venceu as eleições presidenciais – na época, a bolsa argentina estava 40% mais cara em dólares, e em um quadro prospectivo muito pior que o atual, e mesmo assim houve rali. “O mercado está começando a se dar conta do potencial da Argentina”, afirmou.

No caso da Petrobras, o pessimismo inicial de analistas tem caído gradualmente nos últimos meses. Na semana passada, a equipe do JP Morgan atribuiu recomendação de “compra” para os papéis PN da estatal, elevando o preço-alvo de R$30,50 para R$41. Nesta semana, o Goldman Sachs também se rendeu ao otimismo com a estatal, sugerindo “compra” e elevando significativamente o preço-alvo das PN, de R$28,10 para R$41.

“Agora nos sentimos confortáveis para dizer a investidores que a estratégia da Petrobras deve mudar do que foi nos últimos quatro ou cinco anos, mas não será uma mudança de rota de 180 graus”, escreveu o time do JP Morgan, liderado por Rodolfo Angele.

As ações da Petrobras são negociadas com múltiplo dado pela relação entre valor da companhia e EBITDA (EV/EBITDA) que mostra desconto de 50% na comparação com rivais globais, ainda segundo o JP Morgan.

RISCOS NO RADAR

As apostas em Petrobras e YPF, no entanto, carregam algum grau de risco político que deixa parte dos analistas ainda em modo de cautela.

A equipe do UBS-BB, por exemplo, segue com recomendação de “venda” para a estatal brasileira, por expectativa de que maiores investimentos levem a um corte nos dividendos, inclusive, devido a rumores de que a companhia poderia ser instada pelo governo a investir na aquisição de ações da Vibra Energia ou ampliar a fatia na petroquímica Braskem.

Na Argentina, o cenário político e econômico ainda deve ser visto com cautela, apesar de pesquisas apontarem o enfraquecimento do campo político do atual presidente da República, disse Daniel Delabio, gestor da Exploritas, fundo multimercados focado em ativos da América Latina.

“O ambiente econômico é extremamente desafiador, e a última experiência com a direita no poder na Argentina não conseguiu resolver os problemas”, afirmou, em referência à gestão Macri, entre 2015 e 2019, que gerou esperanças iniciais positivas. Macri, no entanto, não conseguiu avanços significativos e perdeu as eleições seguintes.

Para Delabio, seriam necessárias reformas estruturais profundas, abertura do mercado de câmbio e uma melhora expressiva do quadro fiscal para que investidores estrangeiros possam olhar novamente para os ativos argentinos, uma vez que o “fantasma” do populismo seguirá ainda por algum tempo. “E se daqui quatro anos estatizarem tudo de novo?”

Entre os motivos para a insatisfação de investidores com o governo de Fernandez estão políticas de subsídios à energia, ao transporte e outros serviços que deterioram as contas públicas e alimentam a hiperinflação, além de restrições ao fluxo de capitais e do surgimento de um mercado de câmbio paralelo.

Apesar do cenário complexo da Argentina, “hay esperanza, si”, para a economia do país, disse Levy. No caso das petroleiras estatais dos dois maiores países da América Latina, a esperança já começa a se traduzir em volumosos lucros para os investidores.

Esta reportagem foi publicada primeiro no Scoop, às 14H16, exclusivamente aos assinantes do TC. Para receber conteúdos como esse em primeira mão, assine um dos planos do TC.