São Paulo, 26/12/2024 – A Engie está fechando duas operações para parcerias em projetos de energia eólica, em modelo de negócio conhecido como autoprodução, no qual empresas investem junto com grupos do setor elétrico em ativos de geração com objetivo de usar a energia produzida em suas atividades, disseram duas fontes com conhecimento do assunto.
Nos últimos anos, essas transações entre geradoras e companhias de outros segmentos ganharam força, em meio a metas de grandes conglomerados de garantir uso de fontes renováveis nas operações, e devido a benefícios garantidos aos chamados autoprodutores de energia, incluindo isenção em encargos incluídos no custo da energia. Mas esses benefícios estão na mira do governo, que avalia restringi-los, disseram outras duas fontes, que falaram sob condição de anonimato.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem prometido uma reforma legislativa no setor de energia que segundo ele visa corrigir “distorções”, como o que ele chamou de “efeito Robin Hood” nas tarifas, com consumidores mais pobres pagando mais pela energia do que a indústria e grandes empresas. O presidente Lula também já criticou os custos mais baixos para empresas, que chamou de “um absurdo”.
Segundo as fontes, a reforma defendida pelo ministro pretende restringir significativamente operações no modelo conhecido como autoprodução por equiparação– quando empresas investem para ter participação acionária em projetos de geração em troca de acesso à energia. Essa modalidade viabilizou diversos negócios, incluindo sociedades de AES Brasil com BRF e Unipar, da Serena Energia com BRK Ambiental, e Auren com Ferbasa, entre outros.
No caso da Engie, estão em fase de fechamento acordos para parcerias de autoprodução com a Sylvamo, empresa de papel criada a partir de uma cisão de operações da International Paper, e com o Grupo Angeloni, que possui rede de supermercados, farmácias e postos de combustíveis em Santa Catarina e no Paraná, segundo as fontes. Ambas transações são para parcerias em geração eólica, disseram as fontes.
Não foi possível saber valores envolvidos nas operações da Engie com as empresas, mas acordos no modelo de autoprodução têm sido um dos principais nichos para novos negócios no setor de renováveis, ajudando a viabilizar usinas ou a rentabilizar parques eólicos e solares operacionais.
Pela atual legislação, empresas que se tornam autoprodutoras de energia são isentas de encargos cobrados nos custos de energia, incluindo a chamada CDE, que abastece um fundo, Conta de Desenvolvimento Energético, que custeia diversos programas sociais e políticas públicas no setor, incluindo o Luz Para Todos e incentivos a fontes alternativas de energia.
Em 2025, a CDE deve exigir cobranças de R$36,5 bilhões em encargos na conta de luz, aumento de 18% em relação a 2024, dando continuidade a uma trajetória de crescimento explosiva que acabou por incentivar cada vez mais empresas a buscar “fugir” do pagamento, acelerando os negócios de autoprodução.
A Sylvamo confirmou à Mover que “pretende trabalhar com a Engie em um projeto de autoprodução de energia”, sem detalhar. A Engie não comentou, e não foi possível contatar o Grupo Angeloni. O Ministério de Minas e Energia não respondeu pedidos de comentário sobre o projeto de reforma.
REFORMA
Prometido pelo ministro Silveira para este ano, o projeto de reforma do setor elétrico está praticamente pronto, e aguarda no momento uma “janela política” para ser enviado ao Congresso, de acordo com uma fonte com conhecimento do assunto.
Embora os comentários de Silveira sobre a reforma tenham gerado certa apreensão no mercado de energia, traumatizado pelas intervenções do governo Dilma Rousseff sobre o setor, duas fontes asseguraram que o que está em pauta hoje “não é nada revolucionário”, e uma delas compara a maior parte das medidas a propostas discutidas durante os governos Temer e Bolsonaro.
Além de reduzir os incentivos à autoprodução, a reforma também deve propor criação de um novo encargo para compartilhar entre todos consumidores, inclusive industriais, os custos de transição para um modelo de mercado de eletricidade aberto, em que o cliente pode escolher seu fornecedor e negociar preços, a exemplo do que acontece com a portabilidade em operadoras de telefonia.
Em uma novidade em relação às propostas anteriores de reforma, o governo Lula também pretende discutir mecanismos para reduzir diferenças entre tarifas nas diferentes regiões do país, disse uma das fontes, citando argumento de que hoje pessoas e empresas em Estados ricos, como São Paulo, pagam menos pela energia do que em áreas remotas e pobres.