Bancos e investidores preparam ações contra Americanas após recuperação judicial

As instituições financeiras e acionistas dizem ter sido pegos de surpresa pela dos R$20 bilhões em "inconsistências contábeis"

Agência Brasil
Agência Brasil

Por Luciano Costa e Maria Luiza Dourado

São Paulo, 25/1/2023 – Bancos credores e investidores em ações e debêntures das Americanas estão conversando com advogados e se preparando para duras disputas com a varejista, que podem envolver arbitragem e ações na Justiça comum, além de uma possível briga nos tribunais dos Estados Unidos, disseram à Mover pessoas que acompanham o caso.

As instituições financeiras e acionistas dizem ter sido pegos de surpresa pela revelação do então presidente da companhia, Sergio Rial, em 11 de janeiro, sobre a descoberta de cerca de R$20 bilhões em “inconsistências contábeis” na empresa, o que levou a um pedido de recuperação judicial apresentado e aceito em 19 de fevereiro, com dívidas de R$43 bilhões.

Os bancos Santander e Safra chegaram a ir à Justiça para tentar anular a recuperação judicial, enquanto o Bradesco confirmou à Mover em nota que deve processar as Americanas no Brasil e no exterior, conforme antecipado pelo jornal O Globo, sem entrar em detalhes.

Acionistas minoritários também têm se movimentado, com diversos escritórios avaliando estratégias que vão desde o uso do mecanismo de arbitragem até disputas na Justiça e no exterior, segundo advogados que falaram à Mover.

Somam-se ainda à disputa, além dos investidores em ações, compradores de títulos de dívida da Americanas. Detentores de R$2 bilhões em debêntures emitidas pela companhia no ano passado, com vencimento em 2033, discutirão hoje estratégias judiciais para proteger seus interesses, e podem agregar outros debenturistas ao processo, disse uma fonte com conhecimento do assunto.

“Hoje temos contato com número superior a 1,5 mil investidores. Tanto investidores que perderam dezenas até centenas de milhares de reais”, disse o advogado João Carlos Areosa, do escritório de mesmo nome. “Dependendo da quantidade final de investidores e suas características, podemos inclusive pensar em ações distintas para grupos distintos”, afirmou.

Se por um lado a recuperação judicial dificulta e até bloqueia o acionamento da empresa por parte de credores e fornecedores, o processo não estabelece limites para o ajuizamento de ações por parte de acionistas que se sentirem lesados pelas perdas materiais que sofreram desde o anúncio das inconsistências contábeis da varejista.

As ações ordinárias da Americanas despencam mais de 90% neste mês, depois da revelação sobre o “rombo”. Os papéis fecharam hoje a R$1,43 cada, após terem chegado a negociar a R$0,71 durante a semana.

O estatuto da Americanas traz cláusula segundo a qual acionistas devem resolver potenciais questões societárias por meio da Câmara de Arbitragem do Mercado, alternativa à Justiça comum, mas é possível que investidores busquem reparação por meio de processos coletivos movidos por associações, disse André Camara, sócio da área Societário do Benício Advogados.

Embora a arbitragem esteja prevista em estatuto e geralmente seja até mais rápida que os tribunais, o procedimento também é custoso, acrescentou Camara. “Então a ação coletiva apresentada por meio de entidades é interessante para diluir custos, além de conferir mais solidez à acusação”.

No exterior, o escritório Almeida Advogados, cujo sócio-fundador André Almeida participou de uma emblemática ação coletiva nos EUA contra a Petrobras, no âmbito das descobertas da Operação Lava Jato, anunciou que atuará para defender os interesses dos investidores de ADRs da companhia perante a Corte americana.

“Os esforços, nesse primeiro momento, serão concentrados no ajuizamento de uma Ação Coletiva nos EUA, ou ‘Class Action’, sem prejuízo de futuras medidas arbitrais e judiciais que poderão ser adotadas no Brasil”, afirmam os sócios do escritório em nota.

Mas os advogados ouvidos pela Mover são unânimes em projetar que o desenrolar das ações será lento. O processo nos EUA pode ter duração de dois a três anos, segundo o Almeida Advogados, que não descarta tentativa de acordo para encerrar a disputa.

Mesmo a saída via arbitragem, mais expressa que o Judiciário, pode se estender — a constituição da chamada Câmara Arbitral, onde três árbitros especializados decidem sobre os casos, pode levar mais de um ano em algumas ocasiões.

Enquanto isso, muitos tentam preservar seus direitos com outras ações. O Instituto Ibero-americano da Empresa, por exemplo, abriu processo administrativo em que pede bloqueio de bens de executivos da Americanas enquanto avalia novas medidas, segundo seu fundador, Eduardo Silva.

“Montar uma Câmara Arbitral leva até um ano e meio, ou seja, o veredicto deve sair em 2025. É comum as partes impugnarem a escolha dos árbitros, quando entendem que o nome é parcial. Entendo que quanto antes iniciarmos a movimentação, mais nos adiantamos dentro de um processo que já é demorado, em termos práticos”, afirmou ele, à Mover.

Decisões para as disputas ainda dependerão de revelações sobre as inconsistências contábeis descobertas nas Americanas e suas causas, que ainda não estão claras, até para entender se houve fraude ou dolo, explicou Marcelo Mello, do escritório Guimarães & Vieira de Mello. “O que existem hoje são indícios e somente, nada foi apresentado como prova, o que impossibilita, por ora, a identificação do ato ilícito”.