Americanas (AMER3): Para evitar “morte súbita”, diretores falsificaram balanços e fizeram acordo no WhatsApp

Atual CEO da empresa revelou prints e e-mails com provas da fraude

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Por Erick Matheus Nery 

“Será morte súbita”. Essa foi a mensagem que José Timotheo Barros, antigo diretor financeiro da Americanas (AMER3), escreveu no grupo de WhatsApp da então diretoria da empresa em 03/07/2017 ao demonstrar sua preocupação com o real endividamento da empresa. Porém, a manipulação nos números durante a gestão de Miguel Gutierrez seguiu em vigor e, nesta terça (13), foram revelados prints e documentos sobre como a fraude foi realizada.

“Hoje, pela primeira vez, a Americanas não chama mais essa crise de ‘inconsistências contábeis’. Ela chama de ‘fraude’. Quando estive no Senado, tive uma postura mais conservadora porque ainda não tinha documentação que evidencie que aquilo que aconteceu aqui dentro era uma fraude. Hoje, essa documentação já existe”, revelou Leonardo Coelho Pereira, atual CEO da Americanas, durante participação na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o crise na varejista. Assista ao vídeo na íntegra da sessão:

Na Câmara dos Deputados, Pereira mostrou um e-mail enviado em janeiro de 2022 pelo então diretor Marcelo Nunes para os demais executivos — entre eles, Gutierrez — com os números reais e os adulterados.

Enquanto os números reais eram chamados de “Visão Interna”, os adulterados foram batizados como “Visão Conselho”. Na “Visão Interna”, o Ebitda (Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 2021 foi de negativo em R$ 733 milhões. Já na “Visão Conselho”, o número foi positivo em R$ 2,885 bilhões.

“A fraude na Americanas é uma fraude de resultado. Quando a gente fala em risco sacado, VPC, esses são instrumentos usados para a fraude”, comentou o atual CEO da varejista. Na semana passada, o Faria Lima Journal (FLJ) antecipou o resultado da investigação que apontava fraude na varejista.

“Morte súbita”

Em um grupo no WhatsApp com a diretoria da Americanas, Barros escreveu em 2017: “Estava refletindo sobre nossa alavancagem em março de 2017. Não podemos mostrar para o Conselho e mercado nada acima de 3.3-3.5 [de alavancagem]. Temos que trabalhar desde já em todas as alavancas. Além disso, no próximo sábado, o Marcelo [Nunes] deve apresentar para todos os diretores o orçamento de 2017 com alavancagem máxima de 3.1. Teremos que apresentar este orçamento de 3.1 agora no Conselho de agosto”.

Na visão de Pereira, essa mensagem é “um reconhecimento explícito do entendimento da diretoria de que a demonstração de um número de alavancagem maior que 3.5 seria a ‘morte súbita’ da companhia”. Em seguida, o atual CEO mostrou outra conversa de WhatsApp na qual os executivos combinaram em responder que a empresa não tinha operações de risco sacado.

As auditorias também questionaram a gestão Gutierrez sobre a existência de risco sacado e, em carta assinada por todos os então diretores, eles negaram a existência dessas operações. “A dívida gerada pela operação de risco sacado não constava das demonstrações financeiras enviadas ao Conselho, porque tal dívida era anulada por meio de outra fraude relacionada a redutores da conta fornecedor no balanço”, destacou a apresentação da empresa.

Uma das ferramentas utilizadas pela fraude era a criação de documentos com números inventados. Para realizar essa transação, uma das hipóteses é de que a assinatura de documentos verdadeiros era “copiada e colada” nos falsos. Além disso, os executivos da Americanas solicitaram que os bancos fizessem alterações na redação dessas cartas, para que o texto não citasse o risco sacado.

Em outra mensagem mostrada por Pereira e atribuída a Barros, após os bancos alterarem o texto, o então CFO questionou os parceiros: “Como estamos com os bancos para retirar das cartas a info (sic) das operações com fornecedores? Vida/Morte para nós”.

Auditorias sabiam da fraude?

Pereira ressaltou que algumas mensagens “ainda demandam contexto”, mas um dos e-mails apresentados é de uma conversa da auditoria PwC com a Americanas, na qual a auditoria sugere a redação do texto para a carta de representação sobre a ausência de conhecimento sobre as operações de risco sacado.

Em outro e-mail, a KPMG aceitou um pedido da então diretoria da Americanas para que suas recomendações deixassem de ter o status de “deficiências significativas” para “merecem atenção”. “Se existem falhas leves, elas são chamadas de melhorias de controle. Essas são falhas que, geralmente, são tratadas no nível da diretoria. Próximo nível de preocupação da auditoria é deficiência significativa, essas já demandam que o Conselho de Administração seja envolvido para tratar das fragilidades”, explicou o atual executivo.

“Essas evidências não me permitem mais tratar como inconsistências contábeis”, pontuou Pereira ao informar aos deputados que o caso é uma fraude.