Por: Luciano Costa
Riscos de uma crise financeira na China começam a preocupar economistas de todo o mundo, o que inclusive pesou sobre ações de empresas como a mineradora brasileira Vale nas últimas semanas, mas é difícil imaginar o país passando por uma “quebradeira”, disse à Mover o professor da PUC-Rio, Paulo Wrobel.
Desde a pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês mostra dificuldade para retomar o crescimento acelerado que marcou as últimas quatro décadas e impulsionou os preços globais de matérias-primas como minério de ferro e petróleo. Na semana passada, o Morgan Stanley reduziu a projeção de expansão do indicar de 5% para 4,7%, após uma série de dados decepcionantes.
“Enfrentamos pela primeira vez em 40 anos a possibilidade de uma recessão na China. Nem precisa ser um crescimento negativo. Dada a necessidade deles de criar pelo menos 10 milhões de empregos por ano, uma alta do PIB de menos de 5% eu já identificaria quase como uma recessão. Embora não seja tecnicamente, a sensação é de recessão”, disse Wrobel à Mover.
“Mas dificilmente vai acontecer uma grande recessão, uma crise financeira como aconteceu, por exemplo, nos Estados Unidos e Europa em 2008, embora tenha muita gente falando isso”, acrescentou o professor, que é economista, mestre em ciência política e doutor em Relações Internacionais especializado em China.
Ele destacou o imenso saldo comercial e a taxa de poupança doméstica da China, de mais de 40% do PIB, como fortalezas que impediriam uma crise bancária e uma consequente “quebradeira” no país.
O mais provável, assim, seria um longo período de expansão do PIB em ritmo menor, de entre 2% e 3% ao ano, projetou Wrobel.
“Há uma tendência, me parece, de a China acabar seguindo o Japão, que nos anos 70 era o que a China é hoje, o parâmetro de industrialização e crescimento. Depois, o Japão estagnou e está praticamente estagnado há 30 anos. Entre outras razões, por questões demográficas, de envelhecimento da população, que estão acontecendo na China”, explicou.
TRANSIÇÃO DE MODELO
No fundo, os problemas chineses também são fruto da própria decisão do país de mudar seu modelo econômico, antes guiado principalmente por investimentos em infraestrutura e na expansão do setor imobiliário, para uma economia mais voltada ao consumo, em uma transição que não ocorre do dia para a noite, explicou Wrobel.
Hoje, há uma crise no mercado imobiliário e uma avaliação de que o gigante asiático colocou dinheiro demais em infraestrutura e não tem mais projetos produtivos para apoiar, o que se agrava por problemas financeiros de províncias e prefeituras, acrescentou o professor da PUC-RJ.
“Mas isso é possível de ser contornado, porque o grandes bancos chineses estão capitalizados. Acho que não vai ter quebradeira, o governo não vai deixar. Um colapso total não vejo, mas a grande dificuldade é que isso pode se arrastar por algum tempo, essa tentativa de reformar o modelo”, afirmou.
Eventuais saídas alternativas passariam por uma nova orientação dos estímulos estatais, focando-os no incentivo à demanda dos consumidores, e também ajudaria a China “abraçar mais a economia de mercado”, após uma recente repressão a empresários privados associada ao presidente Xi Jinping, que gerou desconfiança de investidores, disse Wrobel.
“Não adianta fazer o mesmo que estão fazendo há 10 anos, que é pegar um monte de dinheiro e colocar em infraestrutura.A China tem as melhores estradas do mundo, o melhor sistema de transporte, mas não tem mais onde investir de forma produtiva. Não adianta construir mais uma linha que ninguém usará em uma cidade que ninguém ocupa”.
Uma eventual retomada da economia chinesa nessas bases, porém, poderia não apoiar tanto o consumo de commodities, incluindo minério de ferro e petróleo, como em planos passados de impulso por meio de obras e infraestrutura.