Por Erick Matheus Nery
Nos últimos dias, o ex-juiz Sergio Moro entrou no olho do furacão após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de anular as provas apresentadas pela Odebrecht na Operação Lava Jato. Porém, neste meio tempo, o atual senador da República pelo União Brasil conseguiu uma vitória no Senado. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou na terça (12) seu projeto que cria um programa de proteção e de recompensa a pessoas que denunciem fraudes no mercado de capitais.
Com sua experiência na Lava Jato e o aprendizado de iniciativas internacionais, Moro propõe a criação de um programa de proteção aos informantes, que não praticaram nenhum ilícito, mas têm informações relevantes, por exemplo, sobre uma fraude contábil em uma empresa de capital aberto, mas se sente intimidado a denunciá-la porque teme retaliações.
“O projeto protege o informante contra retaliações, e, para incentivá-lo a revelar fatos, se prevê também a possibilidade de uma recompensa financeira com base no ganho da recuperação de valores, do tamanho da fraude”, explica Moro em entrevista exclusiva ao Faria Lima Journal (FLJ).
Ao longo da entrevista, o senador recorda a sua trajetória como juiz anticorrupção e também sua experiência na iniciativa privada nas áreas de compliance e integridade. Ele admite que a experiência na Lava Jato “tem relevância” neste projeto.
“Na Lava Jato foram casos múltiplos de suborno envolvendo empresas estatais. Essa proposta, na verdade, é mais direcionada ao mercado privado, questões relacionadas a fraudes contábeis e problemas no balanço das empresas. Porque, por exemplo, criar balanços e lucros fictícios acaba fazendo com que a ação se valorize e, de repente, se descobre que aquilo era tudo fumaça”, ressalta ele, que destaca:
“Isso gera uma grande perda aos investidores. É preciso resgatar confiança e credibilidade do mercado”.
O projeto de lei (PL) 2581/2023, criado por Moro, ainda possui um longo caminho pela frente — na própria Casa Alta e também na Câmara dos Deputados — até entrar oficialmente na legislação brasileira. Segundo o senador, essa ideia visa incentivar denúncias sobre fraudes no mercado de valores mobiliários e assegurar a proteção dos informantes. Contudo, ele ressalta que a iniciativa não quer fomentar um “clima de denuncismo” no mercado.
“O objetivo é fortalecer o mercado, o que aumenta a atratividade da Bolsa de Valores, do mercado de ações no Brasil, na medida que deixa mais seguro para os investidores e os acionistas a existência de um programa de proteção a testemunhas”.
EXPERIÊNCIA COM LAVA JATO
Apesar de inspirar-se na Lava Jato, Moro diz que o projeto é totalmente diferente de um acordo de leniência ou de uma delação premiada. “A delação, um acordo de colaboração, parte de alguém que cometeu um crime. Normalmente, se faz com um criminoso menor para chegar no criminoso maior. No acordo de leniência, uma empresa que participou de ilícitos faz um acordo para indenizar e colaborar com as investigações. No projeto, o informante é alguém que não participou de nenhum ilícito”, explica.
Moro aponta que não viu “nenhuma reação negativa” ao projeto, mas admite que “existe uma dinâmica política” nos próximos passos da iniciativa: “Então, vamos poder assistir como vai tramitar nas outras instituições e na própria Câmara adiante, mas é uma reforma necessária”.
O senador aponta o exemplo da fraude na Americanas para ressaltar a necessidade de uma legislação que estimule denúncias no mercado privado.
“Neste ano, ao assumir a cadeira de senador, houve esse grande escândalo da Americanas, uma fraude contábil que acaba afetando as famílias, o mercado. Então, eu me motivei a apresentar esse projeto que cria um programa de proteção e recompensa de informantes com o objetivo de fortalecer o nosso mercado de ações, a Bolsa de Valores”, destaca, que recorre até a um filme de Hollywood como inspiração para o projeto.
“Faço um paralelo aqui com o filme O Informante (1999), que conta a história de um diretor de uma empresa de cigarros que resolve procurar as autoridades na época e revelar a utilização de substâncias que geravam dependência no cigarro deliberadamente. A empresa consegue transformar a vida da pessoa no inferno. Então, o objetivo é basicamente proteger contra a retaliação, mas também dar uma recompensa financeira”.
Questionado pelo FLJ, Moro prefere não falar sobre a decisão do ministro Toffoli. Na semana passada, ele se limitou a falar sobre o caso em uma publicação na rede social X, anteriormente conhecida como Twitter.
“A corrupção nos Governos do PT foi real, criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras. Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores. Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre!”, escreveu ele na ocasião.