Petrobras viola política de governança ao obedecer ordem do governo, diz especialista

Segundo especialista, medida só ameniza efeitos da oneração no curto prazo

Agência Brasil
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Patrícia Vilas Boas

O corte de preços de combustíveis anunciado pela Petrobras, visto como uma medida para solucionar o dilema da reoneração, só resolve o problema no curto prazo e pode sofrer um revés, disse o especialista em Administração Financeira e ex-presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Distrito Federal, Adriano Marrocos, em entrevista ao FLJ. “Estados e União voltam a recolher tributos, o consumidor não sente, e a Petrobrás paga o custo”, disse Marrocos.

Para ele, uma prática como a utilização do “colchão” da Petrobras para amenizar os efeitos da oneração, pode ser questionada como irregular ou em desacordo com as políticas de governança da empresa. Ele acrescenta que os acionistas minoritários podem contestar esse uso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A Petrobras reduziu nesta terça-feira o preço médio da gasolina e do álcool vendidos para as distribuidoras, em 3,93% e 1,95%, respectivamente. A medida vem na esteira da retomada da cobrança de impostos federais sobre combustíveis a partir de 1º de março. As ações ordinárias (PETR3) e preferenciais (PETR4) da petroleira fecharam esta terça-feira em quedas de 4,39% e 2,26%, respectivamente, a R$28,75 e R$25,56, cada. 

Em coletiva de imprensa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a Petrobras seguiu rigorosamente as regras da empresa para definição dos preços e acrescentou que a sua política foi respeitada. A reoneração parcial da gasolina será de R$0,47 por litro e a do etanol, de R$0,02. Segundo o ministro, quando a MP caducar os impostos voltarão a ser como antes da desoneração.

Questionado sobre o “timing” do anúncio, já que a estatal poderia ter diminuído os preços há mais de 15 dias, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, respondeu que “isso é uma decisão de governança” da Petrobras.

Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Patrícia Vilas Boas: O governo pode ou não usar o “colchão” da Petrobrás para solucionar o dilema da reoneração? 

Adriano Marrocos: A Petrobras é uma empresa com acionistas (sócios) e o governo brasileiro é um desses acionistas. Assim, qualquer custo que venha reduzir o lucro pode ser questionado como prática irregular ou em desacordo com as políticas de governança da empresa e acionistas procurarem a CVM. Enfim, o governo federal está numa corda “bamba” pois intervir na política de preços pode ter um revés. 

Patrícia Vilas Boas: O acionista minoritário pode recorrer? A quem?

Adriano Marrocos: Pode contestar sim. Na CVM. Mais grave ainda é que uma ação de gestão como essa pode ser interpretada como interferência na política da empresa e o preço das ações pode cair. Risco há.

Patrícia Vilas Boas: O administrador da Petrobras pode ser punido por isso?

Adriano Marrocos: Os dirigentes podem ser punidos sim. Atos de gestão podem trazer até a intervenção da CVM e de outros órgãos, ainda que não seja comum no Brasil.

Patrícia Vilas Boas: Quais podem ser as consequências?

Adriano Marrocos: Em relação ao ato de gestão, o afastamento da diretoria e a ação indenizatória, vale a pena lembrar das ações de acionistas nos EUA contra a Petrobras no caso da compra da unidade de Pasadena. 

Patrícia Vilas Boas: Essa intervenção pode, ao menos, resolver o problema fiscal do governo?

Adriano Marrocos: No curto prazo, creio que sim, pois haveria um aumento no ICMS e na CIDE sem aumentar o preço do combustível. Veja que o aumento necessário importa em R$0,68 por litro e, caso a Petrobras reduza o preço em R$0,50 (hipotético), irá anular ou reduzir o impacto. Assim, Estados e União voltam a recolher tributos, o consumidor não sente, e a Petrobrás paga o custo. Mas o próprio governo brasileiro, que é acionista e recebe dividendos, irá perder. 

Patrícia Vilas Boas: Qual o efeito da redução no preço dos combustíveis para o acionista minoritário?

Adriano Marrocos: Para todos os acionistas minoritários será a diminuição dos dividendos a serem distribuídos e no valor da ação. Ocorre que, para o grande investidor, a carteira é ampla e o prejuízo é diluído. Para o minoritário, é diferente. O peso é bem maior

Patrícia Vilas Boas: E no consumidor final?

Adriano Marrocos: Para o consumidor final, a intenção é reduzir o preço na bomba. Para ele não faz diferença de como vai ocorrer.