Por: Gabriel Ponte
São crescentes no mercado temores de que os Estados Unidos possam não conseguir honrar seus compromissos creditícios a partir de 1 de junho, caso o presidente Joe Biden e líderes do partido Republicano não alcancem um acordo para ampliar o limite do teto da dívida, de US$31,4 trilhões. Um evento dessa natureza, inédito desde 1979, pode causar uma recessão na maior economia do mundo e desencadear uma crise financeira nos mercados globais, segundo especialistas ouvidos pela Mover.
Biden e o presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, reuniram-se na noite de ontem na Casa Branca para tentar romper o impasse envolvendo o tema, sem sucesso. Em declarações após a reunião, McCarthy alertou que as equipes de negociação não conseguiram entrar em um acordo sobre os cortes de gastos, uma das demandas dos Republicanos, partido da oposição.
A Casa Branca propôs congelar gastos federais nos atuais níveis por mais um ano, mas os Republicanos acharam a proposta como insuficiente. McCarthy, por exemplo, exige mudanças e propõe a revisão de requisitos de emprego para pessoas que recebem auxílio governamental, além de reformular a forma como os projetos de energia obtêm licença. Em sua visão, o problema dos EUA concentra-se do lado das despesas, e não das receitas.
“Um eventual ‘default’ dos EUA é um complicador. Serão tempos difíceis. Haverá redução da credibilidade da economia americana, elevação do prêmio de risco e aumento dos juros no país e nos mercados globais. Isso afetará bastante os mercados”, afirmou o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
Para ele, um denominador comum entre os partidos deve ser o encaminhamento de um acordo bipartidário sobre o tema, com uma potencial concessão de Biden para a redução dos déficits fiscais no futuro. “Mas é um problema complicado para os dois partidos, também com a proximidade das eleições presidenciais”, disse.
Se Biden ceder às demandas Republicanas, isso pode restringir suas opções políticas antes do pleito de 2024, com eventuais ajustes de gastos considerados impopulares entre muitos Democratas.
Mesmo com um eventual “default”, os EUA ainda teriam arrecadações advindas de tributos, embora não tivessem mais capacidade de tomar empréstimos, o que inviabilizaria o pagamento de suas contas por completo. Dados disponíveis até a última sexta-feira indicam que o saldo de caixa do Tesouro americano era de US$60,6 bilhões.
Na visão do sócio da Quantitas Asset, Ivo Chermont, um acordo deve ser alcançado até a data limite estipulada pelo Tesouro, já que o título público americano é considerado um ativo “livre de risco” de referência global. Ele também disse não se posicionar, em sua gestão, para nada que monetize um eventual calote dos EUA.
“Agora, toda essa discussão sobre o limite da dívida fez com que o Tesouro começasse a colocar muita liquidez no sistema, usando o seu caixa. Após esse impasse, creio que o departamento terá de recompor esse caixa, emitindo mais dívida, e isso pode acabar drenando a liquidez do sistema. Os mercados podem sentir”, declarou.
Os EUA já flertaram com um eventual calote da dívida, como 2011 e 2013. Naquelas ocasiões, documentos públicos revelaram que autoridades do Tesouro e do Federal Reserve discutiram priorizar os pagamentos dos juros da dívida para conter a turbulência que se instalaria nos mercados.
Há uma corrente de Democratas, entretanto, que se opõe à ideia de priorizar pagamentos de obrigações estrangeiras e da dívida, às custas de itens como a Previdência Social dos americanos. Segundo o The Wall Street Journal, investidores preocupados com um possível calote dos EUA já têm trocado seu refúgio seguro dos títulos do governo americano pelos de empresas bem avaliadas.