Por Erick Matheus Nery
Termina em pizza mais um capítulo de uma das maiores fraudes contábeis da história do País: a CPI da Americanas (AMER3) na Câmara dos Deputados. Essa investigação parlamentar termina sem identificar os culpados deste crime contra o mercado de capitais, e com uma troca de farpas digna de ser chamada de “barraco” entre gigantes do setor financeiro.
No relatório final da CPI, protocolado nesta terça (5) na Câmara, a equipe liderada pelo deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) argumenta: “Em que pesem os indícios de materialidade apontados, não foi possível, no atual estágio da investigação, identificar, de forma precisa, a autoria dos fatos investigados nem imputar a respectiva responsabilidade criminal, civil ou administrativa a instituições ou pessoas determinadas, ante a necessidade da realização de outras diligências e da coleta de elementos de prova mais robustos”.
Ou seja, quem cometeu a fraude? Qual será a pena por esse crime? Existiu uma quadrilha dentro do alto comando da varejista? Concretamente, nenhuma dessas perguntas tem uma resposta, apenas especulações e indícios.
Questionado pelos jornalistas nesta tarde, Chiodini admitiu que ficou com “alguma” frustração pelo resultado da CPI e desabafou:
“Mesmo prorrogando o prazo limite da CPI, que seria de mais 60 dias, não íamos chegar a nenhuma conclusão de fato neste caso.”
Na parte do “barraco”, a cereja do bolo explodiu na noite de segunda (4), quando o jornal O Estado de São Paulo publicou o depoimento que o ex-CEO da varejista, Miguel Gutierrez, deu à Justiça no processo movido pelo Bradesco por causa da fraude. Também vazou o depoimento por escrito de Gutierrez à CPI.
No texto, Gutierrez recorda que o atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho, disse na CPI que o ex-gestor tinha ciência (e, no mínimo, conivência) na fraude. “Então, a acusação contra mim formulada pela Americanas, além de falsa, é claramente enviesada, produzida com o objetivo de induzir o mercado e as autoridades investigativas a erro”, escreveu o executivo.
“Confio, assim, que esta CPI não se deixará enganar por esta clara manobra da Americanas para proteger seus acionistas controladores”, acrescentou.
Desde o início da investigação, Gutierrez era um dos convocados para prestar depoimento em Brasília, mas nunca pisou perto da comissão. Na entrevista, Chiodini reforçou que a ausência de Gutierrez na CPI prejudicou os trabalhos.
E, se de um lado tem o “bate”, no outro vem o “rebate”. A Americanas “refuta veementemente” as falas de Gutierrez. Enquanto isso, um novo personagem aparece no radar: em vez de “acionistas de referência” ou “trio do 3G”, surge a LTS Investments como porta-voz de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – a empresa é batizada com um acrônimo dos sobrenomes dos bilionários.
Segundo esse novo personagem, as palavras de Gutierrez “não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude”.
Confira esses posicionamentos na íntegra:
Americanas
A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude.
A Americanas reitera que o relatório apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito em 13/06, baseado em documentos levantados pelo Comitê de Investigação Independente, além de documentos complementares identificados pela Administração e seus assessores jurídicos, indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez.
A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.
LTS Investments
As palavras assinadas pelo Sr. Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, proferidas quase oito meses após a divulgação do fato relevante que informava as inconsistências contábeis na Americanas SA (11/1) e depois de divulgado relatório da CPI sobre o caso na Câmara dos Deputados, não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude.
As ilações de uma pessoa que deixou o país depois de ter tido um requerimento de participação à CPI aprovado não têm coerência com os fatos até agora expostos pelas autoridades, tampouco nenhuma prova apresentada pela companhia há três meses foi questionada até o presente momento.
Os acionistas de referência sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes.
CPI TERMINA EM PIZZA?
Já que não se chegou aos culpados pela fraude, a CPI serviu para quê? Segundo o relatório, para:
- aprimoramento da sistemática de responsabilidade civil contra o administrador de sociedade anônima;
- a obtenção pelos auditores independentes de informações sobre operações de crédito contratadas pelas sociedades anônimas;
- a tipificação do crime de infidelidade patrimonial;
- o aprimoramento do sistema de proteção do informante de boa-fé.
Na prática, a CPI termina querendo fomentar o debate sobre o mercado de capitais, querendo possibilitar com que as auditorias tenham mais acesso ao “sigilo bancário” das companhias, querendo criar um novo crime na legislação nacional e querendo melhorar o sistema de informantes.
Agora, querer é uma coisa, poder é outra. O tema seguirá para o debate no plenário na Câmara e as respostas sobre o caso da Americanas propriamente ficarão para as cenas dos próximos capítulos dessa novela corporativa.