Reforma Tributária: “Artigo da discórdia” causa temor no mercado

Setores econômicos intensificam lobby contra trecho aprovado na Câmara

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Por Erick Matheus Nery

A Reforma Tributária coleciona elogios dos agentes econômicos. No entanto, uma parte do texto aprovado na Câmara dos Deputados já causa repulsa em vários setores da economia e tem potencial de causar uma crise que pode até parar no STF (Supremo Tribunal Federal). Trata-se do polêmico artigo 20, que tem o potencial de criar novos tributos pelos próximos 20 anos.

Segundo fontes ouvidas pelo Faria Lima Journal (FLJ), esse parágrafo é um legítimo “jabuti” – como são apelidados os “contrabandos” que parlamentares usualmente fazem ao inserir, em textos legais, assuntos sem relação com o tema inicial. Seu texto foi aprovado pela Câmara. Hoje, como o resto da Reforma, está nas mãos do Senado. 

Entenda o “jabuti da discórdia”

O artigo 20 da emenda aglutinativa da Reforma Tributária diz que:

Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, prevista na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se até 31 de dezembro de 2043.

Em termos práticos, essa parte do texto abre espaço para que as unidades federativas que já possuem essas estruturas, como um fundo para infraestrutura ou pobreza, criem novos tributos além da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, destinada ao governo federal) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, destinado aos estados e municípios), sendo que o objetivo da Reforma é justamente simplificar o manicômio tributário nacional e resumi-lo a apenas dois tributos.

Além disso, o texto define que esse hipotético terceiro tributo seja instituído até 2043. Então, se um Estado possui um desses fundos, essa unidade federativa tem uma “carta na manga” pelas próximas duas décadas para criar um novo tributo.

Em relatório enviado aos clientes, a XP Investimentos afirma que o artigo 20 traz riscos de tributação sobre royalties de companhias de metais, siderurgia, petróleo e gás. Contudo, fontes do FLJ detalham que até setores que não estão no radar dos analistas, como o agronegócio, estão se movimentando contra essa parte do artigo.

À reportagem, interlocutores no mercado confessam o temor de que esses hipotéticos tributos atinjam a todos os setores em uma espécie de “extorsão” dos governadores para conseguirem aumentar suas arrecadações.

Por isso, os agentes econômicos intensificaram o lobby nas últimas semanas no Senado para que essa parte do texto seja retirada. Além desses argumentos, parte dos agentes econômicos justificam que o tal artigo está “mal-escrito” e tão “sem pé nem cabeça” que, sendo aprovado, abre precedente para uma ação direta de inconstitucionalidade no STF.

“Esse artigo está totalmente fora dos princípios que guiaram a reforma”, afirma Eric Torrente, advogado tributarista do escritório Champs Law, ao FLJ

À reportagem, o profissional detalha como esse artigo fere os seguintes princípios da Reforma Tributária:

  • Cumulatividade: “Essa contribuição vai entrar na base de cálculo dos outros tributos, então terá um efeito cascata”;
  • Transparência: “Você não terá mais o valor fechado de quanto está sendo pago de imposto e esse valor entrará na base dos demais pontos da cadeia”;
  • Local da cobrança do imposto: “O texto não obedece o princípio do destino, pois quem se beneficiará deste tributo são os Estados produtores”.