Por Erick Matheus Nery
Às vésperas do término do “recesso branco” no Congresso Nacional, a Reforma Tributária segue nos holofotes e promete dominar as atenções dos políticos em Brasília e no resto do País pelos próximos meses, tanto nas assembleias legislativas como nas câmaras municipais. Contudo, em meio a rumores e projeções sobre os impactos da simplificação do “manicômio tributário” brasileiro, um sacrifício está sendo cobrado diariamente de todos os atores envolvidos no debate: a paciência.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo Faria Lima Journal (FLJ) nas últimas semanas, o texto aprovado na Câmara dos Deputados representa um grande avanço no sistema nacional, mas a euforia em torno do tema ofusca suas implicações práticas como, por exemplo, se o arroz e o feijão ficarão mais baratos. Agora, não é possível afirmar “sim” ou “não” com todas as letras, apenas um “depende”.
O motivo? O texto aprovado na Câmara e levado ao Senado é a base da simplificação, que ficará na Constituição. Os detalhamentos serão definidos posteriormente via lei complementar, debate que encontra-se em segundo plano atualmente, mas que será decisivo para as aplicações práticas da Reforma Tributária.
“Esse é o rito mesmo, altera-se a Constituição e depois tem a legislação complementar para definir, porque não faz sentido detalhar na Constituição a regra porque depois você engessa o processo”, explica Guilherme Giglio, sócio de consultoria tributária da Deloitte.
No caso do arroz e feijão, com o que se tem em mãos, sabe-se que itens da cesta básica terão alíquota zerada. Porém, só será possível afirmar se os dois grãos que são a base da alimentação brasileira ficarão mais baratos ou mais caros após a definição do que é a cesta básica nacional, que ficou para depois.
Esse é o mesmo raciocínio para outros temas, desde remédios até demais itens do dia a dia. Em um cenário hipotético partindo de uma alíquota de 30%, digamos que existem três produtos de R$ 100 cada (alimentos da cesta básica, plano de saúde e garrafa de água). No caso dos alimentos, com a alíquota zerada, o valor final será de R$ 100. No caso do plano de saúde, que terá uma alíquota reduzida (40%), o valor será de R$ 112. E a garrafa de água, que terá uma tributação completa, sairá por R$ 130.
“Ainda é muito cedo para dizer se algo vai ficar mais barato ou mais caro. A tendência é que produtos como a cesta básica tenham uma diminuição de valor, mas outras coisas muito provavelmente vão subir, como os serviços. Eventualmente, é provável que agentes como advogados e médicos sofram uma tributação mais elevada e, consequentemente, o valor final pode ser mais alto”, destaca Eric Torrente, advogado tributarista do escritório Champs Law.
Debate se arrasta há décadas e impacto direto virá no futuro
“O assunto não é novo, é bastante antigo. Já existiam PECs com esse objetivo desde 1995. O que acontece é que os setores da sociedade, entes federativos e contribuintes, foram se conscientizando ao longo desse período de que não dava mais, que estamos chegando em um momento em que a reforma é um dos principais motores para a retomada do crescimento econômico. Costumamos dizer que, se não for agora, não vai ser nunca mais”, comenta Giglio, que acompanha as movimentações em torno do sistema tributário há duas décadas.
Torrente também vê a mudança nas regras com um ângulo positivo. Porém, o especialista recorda que a Câmara realizou diversas mudanças de última hora no texto e uma delas abre espaço para que os Estados adicionem um novo imposto nessa conta. “Essa parte está totalmente fora dos princípios que criaram a reforma”, comenta o especialista.
À reportagem, o advogado reforça que mesmo com esse ponto de atenção, a reforma fomenta positivamente o ambiente de negócios brasileiro: “O maior problema desse sistema tributário complexo é que muitas vezes você não tem certeza que está pagando o valor correto. Tem empresas que provisionam um dinheiro para pagarem caso a conta esteja errada ou, caso você tenha pago a mais, existe toda uma burocracia para resolver”.
Atualmente, a ideia é que a migração completa do sistema atual para o novo seja finalizada em 2033. Contudo, ainda é necessário que o texto seja finalizado no Senado e, caso ocorra alguma alteração, o texto voltará à Câmara.
Na cena política, olhos em Brasília
Fontes do FLJ na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e na Câmara Municipal de São Paulo admitiram que, por causa do recesso nas Casas, o debate em torno da Reforma Tributária encontra-se em standby.
Entre os deputados paulistas, a expectativa é de que o debate sobre o financiamento da USP seja priorizado — a principal faculdade o Estado recebe um percentual da quota-parte do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto que será extinto na Reforma. Já na Câmara, os vereadores paulistanos devem definir as prioridades a serem analisadas na volta do recesso.
Enquanto isso, conforme antecipado com exclusividade pelo FLJ, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), acredita que a Reforma Tributária encerrará a guerra fiscal entre os Estados e beneficiará o Estado, tendo em vista que será mais vantajoso para as empresas produzirem bens e serviços em terras paulistas do que em outras unidades da federação.