Especialista comenta cenário para o FLJ

Explosão de pedidos de recuperação judicial no Brasil: agronegócio, aviação e varejo em crise

Explosão de pedidos de recuperação judicial no Brasil: agronegócio, aviação e varejo em crise

O Brasil enfrenta um aumento preocupante nos pedidos de recuperação judicial em 2024. Especialistas e o mercado financeiro observam o crescimento alarmante desses processos, que já somam 1.480 até agosto, superando as 1.405 recuperações solicitadas em todo o ano de 2023 e as 833 em 2022 – dados da Serasa Experian. Segundo Angelo Guerra Netto, sócio da EXM Partners, empresa de assessoria, consultoria e reestruturação que atua neste ramo há 22 anos, “nesse ritmo, ultrapassaremos em muito a média dos últimos anos”.

O agronegócio lidera atualmente os pedidos de recuperação judicial, contrariando expectativas de que a desvalorização do real favoreceria o setor, tornando os produtos agrícolas mais competitivos. No entanto, os custos crescentes dos insumos, que são cotados em dólar, pressionam significativamente as margens dos produtores. “Setores como o de grãos — milho, soja, arroz e feijão — estão enfrentando graves dificuldades. Apenas o café tem conseguido certa estabilidade, graças ao seu valor de mercado”, explica Netto.

Aviação em Turbulência

Outro setor sob pressão é o da aviação, que acumula dívidas não reestruturadas desde o início da pandemia. Empresas como Azul demonstram sinais de estresse financeiro, apesar de ela não ter pedido recuperação judicial, enquanto a Gol acionou o chamado ´Chapter 11´para reestruturar suas dívidas nos EUA. A Passaredo conseguiu sair de um processo de recuperação, mas foi impactada recentemente por um acidente.

A fusão entre Gol e Azul, se concretizada, poderia trazer ganhos de escala, mas o setor ainda precisa de ajustes estruturais significativos.

Netto ressalta o caso da 1, 2, 3 Milhas, uma empresa que enfrentou sérias dificuldades devido ao modelo de negócios: “Era quase uma pirâmide, com vendas aceleradas e um ativo de baixa liquidez — as milhas. A falta de credibilidade entre os consumidores e o não pagamento a fornecedores comprometeram a operação, deixando espaço para novos players ocuparem o mercado”.

O aumento do endividamento das famílias afeta diretamente a indústria e o varejo, setores que também registram crescimento nos pedidos de recuperação judicial. “Os setores de linha branca e o varejo tradicional estão especialmente vulneráveis. Muitas lojas precisam rever suas operações e até o tamanho de suas lojas físicas, devido aos altos custos de ocupação”, comenta Netto. O varejo enfrenta o desafio de equilibrar lojas físicas com o e-commerce, adaptando-se a um cenário onde o consumidor tem mais opções e alternativas.

A alta na taxa Selic complica ainda mais a situação das empresas endividadas, dificultando o acesso ao crédito e reduzindo o consumo. “A Selic elevada agrava a dificuldade de acesso ao crédito, o que gera um efeito perigoso de retração econômica”, explica Netto.

O Papel dos Bancos e o Termômetro de Novembro

Com o aumento da inadimplência e dos pedidos de recuperação judicial, os bancos enfrentam um desafio adicional. Novembro, um mês historicamente marcado por aumento na cessão de crédito inadimplente, será um termômetro para o setor. “Grandes Bancos estão ajustando seus balanços para minimizar os impactos. No entanto, focam em operações de crédito AAA, deixando uma lacuna para empresas em situações mais delicadas”, afirma Netto.

De acordo com Guerra Netto, os grandes bancos estão sendo substituídos por fundos de investimento na concessão de crédito ao agronegócio. “Os fundos hoje têm uma participação relevante e um entendimento mais próximo da realidade do setor, mantendo uma taxa significativa de retorno”. Os FIDCs, por exemplo, têm operado com grande influência no mercado, gerindo bilhões de reais em diferentes setores da economia.

Apesar das dificuldades, Guerra Netto vê oportunidades no cenário econômico brasileiro: “Ativos reprecificados estão chamando a atenção de investidores que buscam aquisições a preços mais baixos. Houve um momento de vendas quando os ativos estavam valorizados, e agora estão sendo readquiridos com descontos de até 60% em relação ao preço de venda anterior”.

Balanço da Lei de Recuperação Judicial

A Lei de Recuperação Judicial, em vigor desde 2005, completa 20 anos em 2025. Netto destaca a importância da reforma de 2020, que introduziu mecanismos como o Dip Finance, modalidade de financiamento preferencial em caso de insucesso do processo de recuperação. “O Dip Finance trouxe mais recursos para empresas em dificuldades, mas ainda há lacunas, como a exclusão de créditos de cooperativas, o que considero problemático, pois todos são agentes de mercado”, argumenta Netto.

“As cooperativas extrapolaram há muito tempo uma simples relação de troca de atos cooperados. Temos financiamentos pelas grandes cooperativas, não só de máquinas agrícolas, mas também de capital de giro.” Diz Guerra Netto. “Todo mundo é agente de mercado, além de possuir uma relação de cobrança. Quanto à venda dos insumos, ok, assim como  para o produtor rural cooperado. Bancos Públicos têm esse mesmo conceito – meu crédito não se sujeita aos efeitos porque eu sou uma entidade pública.”

O sócio da EXM Partners, que acumula mais de 22 anos de experiência no setor, compartilha a visão de que sempre há uma chance de reestruturar empresas em dificuldades: “A EXM acredita em casos onde poucos acreditariam. Atuamos como reestruturadores e investidores em empresas em situação de insolvência, trazendo capital a um preço competitivo e com transparência”.

A EXM já conduziu mais de 200 reestruturações, incluindo projetos como administradora judicial, e geriu R$ 28 bilhões em dívidas reestruturadas, com destaque para o agronegócio. Com sede em São Paulo, a empresa realiza projetos em todo o Brasil, mantendo sua missão de reestruturação e suporte ao longo de duas décadas.

Guerra Netto e seu sócio, Eduardo Scappellini, começaram suas carreiras como auditores da Price Waterhouse. “A princípio tínhamos como ideia trabalhar com consultoria, contábil, até tributária mesmo. E olhando muito para auditoria. Com o advento da nova legislação, nós nos deparamos com o nosso primeiro caso em 2006. Foi uma varejista do setor farmacêutico. E aí depois disso, de lá para cá, o ambiente do mercado estressado passou a ser o nosso carro-chefe.”