Coluna

Os atuais impactos econômicos globais e como eles afetam o cenário de investimento privado na América Latina

Os atuais impactos econômicos globais e como eles afetam o cenário de investimento privado na América Latina

O último ano completo do mandato de Joe Biden à frente da presidência dos Estados Unidos contou com eventos singulares. Entre os mais significativos, porém que não trouxeram prejuízos expressivos no curto prazo, podemos destacar: a falência dos bancos Silicon Valley Bank, Signature e First Republic, que sinalizou o possível início de uma grande crise econômica reminiscente de 2008; o alcance e subsequente suspensão do teto da dívida dos Estados Unidos (EUA), que revelou uma vulnerabilidade crítica na economia mais robusta do mundo; e a redução da classificação de crédito do país por agências especializadas, um fato que reforçou a preocupação com a saúde financeira dos EUA e com o sistema capitalista global.

No entanto, nenhum tópico abalou tanto o mercado quanto às expectativas de uma possível recessão americana, que foram sequencialmente frustradas ao longo do ano.

O Federal Reserve (FED), empenhado em controlar a inflação, implementou o mais rápido e intenso aumento nas taxas de juros visto há décadas. Contudo, a robustez da economia se mostrou uma ameaça a essa estratégia, e, mesmo com expectativas generalizadas de desaceleração, o país demonstrou uma força econômica surpreendentemente sólida, caracterizada por um mercado de trabalho resiliente e um consumo intenso. Esse vigor da atividade colocou o FED em uma situação delicada: aumentar ainda mais as taxas de juros poderia reprimir o crescimento econômico e ocasionar uma recessão, mas não agir poderia resultar em inflação desenfreada.

Ao final do ano, uma tendência de queda contínua na inflação rumo à meta de 2% aliada a estabilidade da taxa nominal ocasionou um acentuado endurecimento das condições financeiras (e.g. aumento dos juros reais), e possibilitou uma mudança marcante na postura com relação à política monetária. A abordagem anterior, caracterizada pela narrativa de manter taxas de juros “altas por mais tempo”, evoluiu para uma sinalização clara da possibilidade de redução das taxas em 2024. Assim, com o tempo, a paciente estratégia hawkish do FED parece ter ido de encontro à tão sonhada narrativa de soft landing – onde a desaceleração econômica gradativa é suficiente para controlar a inflação, mas não o bastante para causar uma recessão acentuada. Contudo, com a economia ainda relativamente aquecida e com diversas incertezas que permeiam o cenário econômico, é importante reconhecer que, dada a natureza “data-driven” do FED, muitos dos aspectos considerados ainda podem sofrer alterações. 

No âmbito externo, exemplos claros que agregam imprevisibilidade consistem na já conhecida guerra entre Rússia e Ucrânia e a nova guerra entre Israel e Hamas em Gaza, que, somada a outros conflitos envolvendo Líbano, Iêmen e Irã, configuraram uma nova escalada de tensões no Oriente Médio. Espera-se, portanto, que o tabuleiro geopolítico seja um tema bastante relevante em 2024, especialmente em um contexto marcado por eleições em grandes polos como Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia, Índia, e Taiwan (onde a eleição de Lai Ching-te, candidato com os ideais alinhados ao mundo ocidental, já representou a primeira derrota de uma China em desaceleração econômica). Esse cenário, que também é potencializado pela tendência de desglobalização e fragmentação das cadeias produtivas, traz riscos à estabilidade da conjuntura econômica global.

No lado macroeconômico, por sua vez, há um consenso perigoso que predomina entre a maioria dos analistas: os acontecimentos globais desde 2020 até o momento e as consequências dos estímulos fiscais e monetários sem precedentes contribuíram significativamente para o estabelecimento de um novo regime, caracterizado por taxas de juros, inflação, dívida e volatilidade estruturalmente mais elevadas, em contraste com um crescimento econômico mais moderado. Essa transformação implica diretamente em desafios adicionais para a atuação dos bancos centrais, intensificando o eterno dilema entre combater a alta de preços e manter a estabilidade econômica.

O desafio da inflação emergiu como um obstáculo significativo tanto em nações desenvolvidas quanto em economias emergentes, sendo estas últimas já familiarizadas com longos e intensos períodos de alta nos preços. Diante dessa realidade, alguns países, particularmente na América Latina, adotaram estratégias proativas, antecipando-se na implementação de políticas monetárias restritivas, o que as permitiu um pioneirismo no controle da inflação e no corte de juros sem maiores prejuízos.

Dentro desse contexto, um dos principais benefícios provenientes da manutenção dos juros em níveis elevados consistiu em um carry relevante, o que levou as moedas latino-americanas a se valorizarem ao longo do ano (sendo o Chile a exceção, com uma estratégia de flexibilização monetária mais agressiva). No entanto, uma vez que o FED deverá reduzir as taxas apenas no segundo trimestre, uma intensificação do afrouxamento monetário por parte dos bancos centrais latino americanos deve estreitar o diferencial de juros em relação aos Estados Unidos e, consequentemente, pode pressionar as moedas da região à desvalorização

Não há dúvidas de que uma maior estabilidade no cenário macroeconômico poderá permitir uma potencialização de investimentos na América Latina: se, por um lado, os investidores estarão mais propensos a alocar recursos em ativos mais arriscados, por outro, a região se encontra muito bem posicionada para se beneficiar de novas oportunidades estruturais da conjuntura global. Isso, somado à potencial redução do custo de crédito das empresas e valuations mais atraentes (especialmente de companhias que sobreviveram a um cenário árduo nos últimos anos e comprovaram sua tese de mercado) corroboram com um viés positivo para o ecossistema de investimentos na região.

É importante salientar que, apesar da política de flexibilização monetária local impulsionar a atividade econômica, uma região altamente dependente da demanda externa verá seu crescimento limitado caso seus principais parceiros comerciais e investidores estrangeiros, tais como a China e os Estados Unidos, enfrentem períodos extensos de dificuldades econômicas.

De fato, um dos principais riscos associados a esse cenário se encontra diretamente relacionado com o sucesso do ciclo de flexibilização monetária dos Estados Unidos. Se, por um lado, parte do mercado espera que o FED consiga cortar juros sem maiores prejuízos e atingir um soft landing, por outro, existe um receio sobre a robustez da atividade americana, que ainda se encontra em níveis elevados e pode resultar na necessidade de um aperto mais intenso dependendo de novas surpresas inflacionárias. Intensificando ainda mais esse panorama, o cenário político americano, caracterizado pela provável disputa pela presidência entre Donald Trump e Joe Biden, poderá agregar ainda mais camadas de incerteza – o que se reflete em uma conjuntura mais desfavorável aos emergentes.

Somado a isso, o panorama político e de segurança jurídica, que devem ser ainda mais estressados com a presença de seis novas eleições na região em 2024, podem corroborar com uma maior cautela por parte dos agentes de mercado.

Concluindo, esses riscos externos e estruturais ainda devem corroborar com uma conduta de “wait and see” por parte tanto dos investidores, quanto das instituições financeiras durante o ano. Assim, embora 2024 se desenhe como um ano de terreno progressivamente fértil para oportunidades no mercado privado latino-americano, espera-se que, apenas em 2025, o mesmo alcance seu dinamismo pleno.