Coluna de Marcio Aith

O PT erra até quando tenta agradar sua odiada classe Média

O PT erra até quando tenta agradar sua odiada classe Média

São Paulo, 29/11/2024 – O anúncio feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a ampliação da isenção do Imposto de Renda para brasileiros com rendimentos mensais de até R$ 5 mil não deixou de provocar um certo constrangimento. Afinal, trata-se de um movimento que contraria o discurso histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) em relação à classe média. A proposta de isenção, vendida como um gesto de inclusão e alívio tributário para este segmento, contrasta flagrantemente com declarações duríssimas de lideranças do partido, que, em momentos diversos, não hesitaram em desdenhar ou criticar abertamente o estilo de vida e as demandas desta parcela da sociedade.

É impossível não lembrar das palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em 2022 afirmou que a classe média brasileira ostenta um padrão de vida “acima do necessário”, sugerindo que há exageros nas suas demandas de consumo, como a “compra de várias televisões”. Esse tom de censura, amplamente replicado por seus correligionários, ganhou contornos ainda mais marcantes com a célebre fala da filósofa e ícone petista Marilena Chauí, que declarou odiar a classe média, rotulando-a como “ignorante”, “fascista” e “terrorista”. A aversão demonstrada a esse grupo era, até então, um pilar da narrativa petista, que privilegiava antagonismos nítidos entre classes sociais.

Surge, portanto, uma evidente contradição: como um partido que historicamente demonizou a classe média pode agora se apresentar como seu salvador tributário? Ao anunciar a isenção do IR, o governo parece buscar uma reconciliação com um público que outrora foi alvo de desprezo retórico. Um segmento que lhe tirou votos nas últimas eleições municipais. Mas essa tentativa de aproximação não ocorre sem deixar marcas de incoerência. A ampliação da isenção, embora bem-vinda do ponto de vista econômico, soa como um movimento tático, destinado a mostrar que este governo não apenas corta gastos.

A ironia, porém, não para aí. A inclusão da isenção da classe média no pacote de ajuste fiscal — destinado a cortar gastos e sinalizar responsabilidade econômica — teve um efeito contrário ao desejado. Longe de acalmar os mercados, o anúncio contribuiu para a alta do dólar e a queda da bolsa. Em vez de aplaudirem o esforço de Haddad para compor as pontas entre justiça tributária e equilíbrio fiscal, investidores interpretaram a medida como uma concessão política que enfraquece o compromisso do governo com a disciplina orçamentária. Ou seja, o governo erra até quando acerta.

O próprio Haddad, conhecido por sua habilidade técnica e política, parecia carregar o peso desse paradoxo ao anunciar a medida. Tentando vender o que se assemelha a um reposicionamento estratégico mais do que uma verdadeira mudança de visão, ele enfrentou a difícil tarefa de equilibrar uma narrativa histórica com os desafios econômicos e as expectativas do mercado.

O gesto, no entanto, não apaga o histórico. Para um governo cuja retórica outrora rejeitou e hostilizou a classe média, o ato de apresentar-se como defensor de seus interesses agora não deixa de parecer uma manobra pragmática, senão cínica. Assim, enquanto a isenção do IR é celebrada por parte da classe média como um alívio há muito esperado, ela traz consigo o gosto amargo de uma contradição histórica que ainda ecoa.

No final, resta uma questão inescapável: estaria o governo de Lula finalmente abandonando seu discurso de antagonismo de classes em favor de uma gestão mais conciliatória, ou seria essa apenas mais uma contradição conveniente? O tempo dirá, mas o constrangimento já está posto, assim como a desconfiança.