Metas de endividamento do arcabouço fiscal não são críveis, dizem analistas

Segundo a XP, superávit de 2026 ficará 60% abaixo da meta do governo

Agência Brasil
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Por Bruno Andrade

À primeira vista, o arcabouço fiscal apresentado ontem pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acalmou os mercados. Especialmente porque trouxe expressões como “zerar o déficit”, “limite de gastos” , “trava de gastos” e “superávits”.

Passadas duas horas, no entanto, especialistas e analistas começaram a indagar como é que o projeto vai decolar sem a identificação das receitas capazes de bancar um superávit primário já para o ano de 2025. Vão aumentar impostos? Não, disse Haddad. Vão privatizar? Nunca, disse Lula.

É justamente ali, na falta de identificação das receitas, que mora o perigo. Afinal, conforme diz o projeto, o crescimento anual da despesa fica limitado a 70% da variação da receita dos últimos 12 meses. Ou seja, o governo só gasta se as receitas aumentarem. E esse gasto só aumenta quando vier o crescimento da receita nos últimos 12 meses. Considerando que o governo não previu nenhum corte de gastos nem aumento de impostos, de onde virá a receita?

Segundo Carlos Hotz, planejador financeiro e sócio-fundador da A7 Capital, a notícia positiva até agora, pois o mercado saiu do breu. “Mas falta detalhar como eles vão chegar nos números que projetam e desenham sem ser via elevação de carga tributaria. A coletiva não trouxe nenhuma novidade fora o que já sabíamos. O arcabouço aumenta a despesa perpétua considerando um crescimento proporcional de receita que é estimado”, disse.
 
Para o especialista e sócio da Valor Investimentos, Gabriel Meira, o problema está principalmente na parte das receitas. “É muito otimismo acreditar que o governo vai continuar com a arrecadação em alta”, explicou.

Outro ponto são as metas. Superávit de 0,5% do PIB em 2025 e 1% do PIB em 2026. Para Carlos Hotz, planejador financeiro e sócio-fundador da A7 Capital, para que isso aconteça seria necessário criar uma gordura para sanar o déficit público. “O ministro não explicou de onde viria essa gordura, adotando a premissa de que teremos crescimento de gastos mais reprimido em 2023, o que é pouco provavel”, disse.

Por isso, Hotz acredita que as metas não serão atingidas. “Difícil acreditar que isso consiga se tornar realidade sem que a gente entre em um cenário de aumento de arrecadação”, explicou.

Já Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, também reforça o coro de que as metas de superávit primário não serão atingidas. O especialista traçou o cenário econômico com base no boletim macro fiscal da Secretaria de Política Econômica (SPE). De acordo com os dados do governo, o crescimento do PIB seria de 1,6% neste ano, 2,34% em 2024 e de 2,5%, na média, a partir de 2025.

Vendo essas premissas do próprio governo Lula e o arcabouço fiscal apresentado por Haddad nesta quinta-feira, Sbardelotto calcula que teremos déficit de 1% do PIB em 2023, -0,7% em 2024, 0,1% em 2025 e apenas 0,4% em 2026, ante o 1% esperado pela equipe do presidente. Ou seja, o resultado tende a ficar 60% abaixo da meta do governo.

“Entendemos que a regra fiscal por si só não garante a sustentabilidade fiscal nos próximos anos”, disse Sbardelotto.

Arcabouço fiscal e os juros

Além da receita, o arcabouço fiscal também precisa de uma queda de juros para as questões superavitárias darem certo. No entanto, segundo  mas isso não está sob controle do governo. “Muita coisa do arcabouço depende de uma diminuição da taxa de juros, que é competência do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que em teoria é autônomo”, explicou. Ou seja, na sempre surrada e útil anedota, seria necessário combinar com russos – ou seja, Campos Neto teria que ser convencido a baixar os juros num ritmo incompatível com a realidade.

O próprio Haddad disse, em coletiva, ter sido questionado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), sobre se haveria um aumento de impostos para que as metas fiscais sejam críveis. Ao relatar aos jornalistas a conversas com os dois líderes, o ministro disse, referindo-se a um eventual aumento da carga tributária. “Se por carga tributária se entende a criação de novos tributos ou aumento de alíquota dos novos tributos existentes, a resposta é: não está no nosso horizonte.”