Por Bruno Andrade
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), escorregou ao cometer falas desastrosas sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, disseram especialistas ao Faria Lima Journal (FLJ) nesta terça-feira (18).
Na véspera, Lula condenou o presidente da Ucrânia, o da Rússia e países como os EUA e membros da União Europeia, em uma tentativa de mostrar neutralidade, o que fica difícil quando um dos lados invade o território do país vizinho.
“O Putin não toma iniciativa de paz. O Zelensky não toma iniciativa de paz. A Europa e os Estados Unidos terminam dando contribuição para a continuidade dessa guerra”, disse Lula.
Para piorar a situação, o governo brasileiro ainda recebeu o ministro das relações exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, que comentou que Brasil e Rússia possuem a mesma visão sobre a guerra na Ucrânia.
“As visões do Brasil e da Rússia são únicas em relação aos acontecimentos que ocorrem na Rússia e estamos atingindo uma ordem mundial mais justa, correta, baseando-se no direito e isso nos dá uma visão de mundo multipolar”, comentou Lavrov.
Segundo o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Cláudio Couto, as falas do presidente prejudicam o papel que o Brasil queria exercer sobre a guerra na Ucrânia, como país mediador independente, totalmente fora do conflito.
“Foi um tiro no pé, pois Lula ficou visto como mais alinhado à Rússia, o que prejudica o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU”, explicou Couto.
Já o ex-embaixador do Brasil em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa, comenta que Lula fez declarações soltas que podem gerar interpretações erradas. De acordo com ele, o presidente não seguiu a regra básica da sabedoria política, que é ficar quieto.
“O Lula não seguiu a regra básica, que é a arte de saber ficar calado. Ele deveria falar pouco e ter um discurso moderado”, disse Barbosa.
No entanto, Couto e Barbosa concordam que mesmo com as falas do presidente, o Brasil ainda continua como um país equidistante na questão da guerra entre as duas nações do leste europeu.
De acordo com Barbosa, o Itamaraty tem apresentado essa neutralidade de uma forma clara. “Ontem o Lavrov disse que Brasil e Rússia têm a mesma visão, o ministro das relações exteriores ficou quieto, o que mostrou neutralidade e abriu para interpretações”, comentou.
Enquanto isso, Couto comenta que a fala de Lula tentou mostrar liderança em um ambiente em que o Brasil preside os países do Brics, bloco dos quais fazem parte a Rússia, protagonista da guerra e maior fornecedora de fertilizantes do Brasil. Além da China, maior parceira comercial do Brasil, no Bloco.
“Se Lula comenta falas mais duras para a Rússia, corre os risco do Brics implodir, algo que não seria vantajoso para os interesses econômicos do Brasil, visto que a China é um dos integrantes do grupo e é vista como um dos aliados da Rússia”, disse Couto.
Do outro lado do mundo, as falas de Lula não foram bem recebidas pelos EUA. O porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, enfatizou que Lula está “produzindo propaganda chinesa e russa”. Além disso, a Ucrânia convidou o presidente brasileiro para ele conhecer a guerra de perto, Lula ainda não se pronunciou.
Sobre a questão da propaganda chinesa, os especialistas comentam que parte da acusação dos EUA acontece após o presidente brasileiro sugerir que os países do Brics negociem em uma moeda única, ao invés de usar o dólar.
“Isso é absolutamente normal, a União Europeia faz isso com o euro, eles negociam entre eles somente com essa moeda e evitam que qualquer decisão de um único país recaia sobre eles”, disse Cláudio Couto.
Ele comenta que, ainda que os EUA seja o segundo maior parceiro comercial do Brasil, a diplomacia brasileira segue o princípio da multilateralidade, que ora se “faz de difícil para um lado, ora para o outro”. “Hoje o Brasil está se fazendo de difícil para os EUA, amanhã pode ser a vez da China e assim vai, o governo busca equilíbrio em suas relações comerciais”, afirmou Couto.
Por fim, ele explica que a política externa do Lula 3 continua a mesma dos governos anteriores, com exceção das últimas declarações de Lula.
“Agora, para saber se isso será mantido, só nos próximos capítulos. Lula vai para Europa nas próximas semanas, devemos observar o que será dito e como as relações com o bloco ocidental seguirá, assim saberemos de fato como será a política de Estado”, concluiu Couto.