Por Stéfanie Rigamonti
São Paulo, 18/1/2023 – O sócio da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda pode adotar uma postura mais compromissada com a questão fiscal. Em entrevista exclusiva à Mover, Maílson disse que Lula é um político intuitivo e deve mudar de rumo ao perceber uma escalada de reações negativas do mercado às suas falas.
Para o economista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já deu uma importante sinalização ao mercado ao indicar, ontem, que está aberto para aceitar sugestões técnicas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a área fiscal.
VIRADA DO LULA
O mercado esperava que o terceiro mandato de Lula fosse uma repetição do primeiro, já que o petista é um político mais experiente, disse Maílson, mas o que os operadores têm visto é uma repetição dos governos de Dilma Rousseff (PT), indicando “gastos estapafúrdios”, criticou.
Segundo Maílson, do mesmo jeito que Lula surpreendeu em seu primeiro mandato, com um “programa de governo péssimo”, mas com discursos e atitudes pragmáticas, de responsabilidade fiscal e prometendo entregar superávit, o presidente agora também está surpreendo, mas pelo lado negativo. “O Lula de agora dá sinais de que regrediu às velhas ideias do PT”.
Mas Maílson ainda acredita que Lula pode ter um ponto de virada e adotar discursos mais compromissados com as contas públicas, conforme percebe que o mercado vai escalando na reação, temoroso dos riscos fiscais do Brasil. “Lula é um político intuitivo, então ele pode mudar”, disse.
FÓRUM DE DAVOS
A demonstração de Haddad de que pode aceitar o conselho do FMI com relação às questões fiscais é algo surpreendente “vindo de alguém do PT”. Segundo Maílson, o fundo tem um acervo com estudos de décadas sobre a matéria e um departamento voltado unicamente para a área fiscal, o que pode acrescer muito no debate sobre as contas públicas brasileiras.
Ontem, o ministro da Fazenda se encontrou com a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, durante o Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça. Depois da reunião, Haddad disse que o fundo, ciente do debate brasileiro sobre uma nova âncora fiscal, colocou uma equipe técnica à disposição para que o governo tome conhecimento das regras em vigor. A ideia é que o grupo envie sugestões que ajudem na formulação de um arcabouço “mais crível e sustentável” a ser enviado ao Congresso Nacional.
HADDAD
Maílson disse que o ministro da Fazenda tem repetido no fórum de Davos o que sempre diz no Brasil, demonstrando preocupação com o problema fiscal. Para ele, Haddad é um dos únicos do alto escalão do governo Lula que mostra compromisso com essa questão, ao passo que a maioria dos ministros “só fala em aumentar gastos o tempo todo”.
Isso acontece, na visão do economista, porque Lula “deu uma senha” para os ministros gastarem mais, ao dizer durante seu discurso de posse que o Teto de Gastos é uma estupidez. “Mas o que o Brasil precisa é o oposto do aumento de gastos”, disse. “Lula vai ter que voltar atrás, Teto não tem nada de estupidez”, emendou.
Para o economista, o maior desafio de Haddad é ganhar respaldo de Lula e de outros órgãos do governo para as suas ideias, porque para o mercado o ministro já tem “certa credencial positiva de que está sendo sincero quando fala de responsabilidade fiscal”.
FRAGILIDADE FISCAL
Para Maílson, não existe um arcabouço fiscal crível sem incluir um componente de controle de gastos, algo que não foi abarcado pelas primeiras medidas do Ministério da Fazenda. “As ideias que estão circulando geram âncoras muito frágeis. Mas para controlar a dívida pública, tem que controlar gastos”, ressaltou.
Maílson defendeu o Teto não como uma medida única e isolada, mas disse que a âncora fiscal foi importante no momento em que foi instituída, em 2016, para evitar “um desastre nas contas públicas”. Além disso, segundo o economista, o Teto trouxe reflexões importantes sobre a necessidade de redefinir prioridades.
“O Teto não funcionou porque seus pressupostos não se materializaram – e ele precisaria vir com outras medidas econômicas”, argumentou. “O Teto sozinho não basta, é preciso repensar tudo”, disse em referência ao fato de que a âncora fiscal incide apenas em uma pequena parcela do Orçamento que não está engessada, o que representa 5% hoje. Segundo Maílson, em diversos países desenvolvidos, essa parcela é de 50%.