Farei o possível para me aproximar do governo, diz Campos Neto

O presidente do BC reconheceu que houve um incômodo com a comunicação adotada no comunicado da decisão do Copom

Agência Brasil
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Por: Gabriel Ponte, Patricia Lara e Lucinda Pinto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira que a autarquia precisa trabalhar junto com o Poder Executivo, e que ele fará tudo que está ao seu alcance para aproximar a autoridade monetária do governo federal. Campos concede entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura.

O presidente do BC reconheceu que houve um incômodo com a comunicação adotada no comunicado da decisão do Comitê de Política Monetária, que veio “mais alto do que o esperado”, sem considerar e que não teria levado o esforço fiscal que tem sido feito. Mas garantiu que esse incômodo “foi sanado”. “A gente reconhece o esforço fiscal do ministro Haddad”, afirmou.

“É importante reconhecer a legitimidade das eleições. A eleição do presidente Lula foi feita de forma democrática. O BC é uma instituição de Estado. Entendo que existe uma agenda social do presidente Lula, e nossa agenda é social. O BC precisa trabalhar junto com o governo e farei tudo que está ao meu alcance para aproximar o BC do governo”, afirmou Campos, em sua participação inicial. “Espero fazer amizade nos próximos dois anos com pessoas do novo governo.”

Campos pontuou, também, entender a pressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o ciclo de afrouxamento monetário. Disse, porém, que o fiscal é um dos problemas crônicos do país que explicam a Selic em 13,75%.

Questionado sobre participação em grupo de aplicativo com ministros do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Campos afirmou que sua função era “mais informativa”. “Tento ajudar, mas com postura independente, tentando fazer o melhor para o país.”

No primeiro bloco de rodada de entrevistas, Campos afirmou que sempre atuou para isolar o BC do ciclo político. Citou a extensão do ciclo de alta dos juros no governo Bolsonaro.

Questionado sobre ter vestido uma camisa da Seleção Brasileira na ida às urnas em 2022, Campos despistou, mencionando se tratar de “ato privado”.

Campos Neto afirmou que um dos fatores que explicam um juro nominal elevado no país é a dificuldade do país de interromper a trajetória de gastos ao longo dos anos.

Segundo ele, os núcleos de inflação ainda encontram-se “altos”. Ele afirmou na sequência, porém, que a autarquia não gosta de juros altos. “Queremos fazer o melhor possível para ter juro baixo e crescimento sustentável.”

Ele afirmou, também, acreditar ser possível fazer o fiscal com o bem estar social. “Entendemos que olhar para a inflação é olhar para o social também.”

Campos citou, também, haver “boas intenções” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre o lado fiscal. Ele disse que não acredita, porém, ser razoável imaginar que se realize no curto prazo um mega corte de despesas, como nunca foi feito por outros governos.

Meta de inflação

O presidente do Banco Central também disse que não há uma discussão para a mudança da meta da inflação. Campos Neto falou que existe, sim, uma discussão para um aprimoramento dessa meta. “A gente vem discutindo esse aprimoramento, mas esse movimento não visa ganhar flexibilidade, mas dar maior eficiência à meta.”

Campos Neto questionou a afirmação de que a meta brasileira não é exequível. E lembrou que, em dezembro de 2022, o cenário base do Banco Central era de cumprimento da meta, sendo que a curva de juros contemplava a possibilidade de corte de juros em junho. “Era exequível, mas houve mudança de prêmio de risco, um ruído grande, em parte pela dúvida sobre qual será a meta”, afirmou.

O presidente do BC reafirmou que vem conversando com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e também com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, que está muito empenhada em relação à reforma tributária. “À medida que a gente avance com reformas, a gente pode voltar a ter situação com a de dezembro, talvez até melhor”, afirmou.

“O Banco Central quer ter os juros mais baixos e o crescimento mais sustentável possível. Mas a gente precisa preservar esse ganho de inflação na meta”, disse. “Em nenhum momento defendemos aumentar a meta. Até porque, se mudarmos, o efeito prático é perder flexibilidade, e não o contrário.”

Campos também reafirmou que em nenhum momento dirigiu críticas diretas ao governo petista, nem que considera o atual governo “gastador”. O risco fiscal existe há muito tempo no Brasil, a dificuldade de controlar gastos está em todos os governos”, afirmou. “Não se trata de um governo ou de outro. É um processo de aumento de gastos e a gente precisa em algum momento comunicar que tem um plano pra convergir a dívida lá na frente.”

O presidente da autarquia negou nesta segunda-feira atese de que seja “muito difícil” cumprir a meta de inflação, e afirmou que o cenário pode voltar a ser de cumprimento da meta.

Campos citou haver fluxo robusto mundial para o Brasil, assim como “boas iniciativas”, mencionando a Reforma Tributária, por exemplo. “Com iniciativas boas se maturando, cenário de inflação pode melhorar.”

Em sua leitura, esse amadurecimento da iniciativa fiscal pode trazer o cenário de dezembro de 2022, que apontava para convergência da inflação, de 3,0%.

Questionado sobre o estouro da meta pelo BC, Campos ressaltou que não há qualquer economia que esteja cumprindo a meta hoje. “Nossa opinão, no BC, é que não existe ganho de credibilidade ao elevar meta”, pontuou.

Também em sua leitura, a inflação de curto prazo “está vindo melhor”, mas o prêmio de risco também tem sido elevado. De acordo com Campos, o processo desinflacionário é “lento”.

Sobre a saída do diretor de Política Monetária do Banco Central, Bruno Serra, ao fim do mês, Campos afirmou que a prerrogativa de indicação de diretores é do presidente da República. “Para Política Monetária, é preciso que haja experiência com mesa de operações”, ressaltou.

Campos também afirmou que a recondução de Paulo Souza ao cargo de diretor de Fiscalização do BC é um “excelente caso”, mas depende do presidente.

Americanas

O chefe da autarquia também pontuou que a autoridade monetária tem monitorado o efeito da crise da Americanas sobre o crédito na ponta.

De acordo com Campos, diretores executivos de instituições financeiras do país com quem se reuniu projetam que a crise envolvendo “inconsistências contábeis” na Americanas não afetarão a distribuição de produtos, nem a forma como veem o crédito.

Campos também citou provisões já realizadas em balanços trimestrais de instituições financeiras contra eventual risco de calote da Americanas. “Conversei com os bancos e o resultado das instituições foi um pouco pior porque teve provisão”, afirmou.

“O produto cedente sacado, que é importante para pequenas e médias empresas, e não houve contaminação”, acrescentou. O presidente do BC disse ainda que, mesmo com esse evento, a perspectiva de crescimento do crédito é entre 8% e 10% para este ano.

Ida ao Congresso

Em outro tópico da entrevista, o presidente do BC afirmou que está disposto a explicar “quantas vezes for necessário” o motivo dos juros altos do país. “É meu trabalho, vou quantas vezes precisar”, explicou.

Ele afirmou que agendou uma reunião com o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado esta semana para marcar sua ida ao Congresso Nacional.

Reoneração

O presidente do BC também afirmou que a reoneração de impostos melhora o cenário fiscal adiante. “Não entendemos que a reoneração é ruim para a convergência de longo prazo”, complementou.

Segundo ele, a reoneração de tributos tem impacto em inflação de curto prazo, que não está no horizonte relevante.