
O governo Lula deverá pisar no acelerador em gastos antes das eleições 2026, que deverão ser acirradas, mas sem mudar as regras fiscais, avaliou o head da consultoria política Eurasia para o Brasil, Silvio Cascione, em entrevista ao analista político e colunista do Faria Lima Journal, Leopoldo Vieira.
Na conversa, o diretor da Eurasia fez um balanço a respeito dos resultados do arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre as expectativas para 2026, possíveis temas-chave do próximo pleito eleitoral, e sobre o futuro do “Centrão” na política brasileira.
Confira a seguir:
FLJ: Você concorda com a previsão de que o governo Lula vai ampliar gastos em 2026 para tentar a reeleição?
Cascione/Eurasia: O governo Lula vai sim ampliar gastos, mas dificilmente fará isso mudando as regras fiscais. O arcabouço atual foi desenhado justamente para permitir um crescimento real das despesas todos os anos, e isso permite ao governo elevar o salário mínimo e os gastos previdenciários, por exemplo. A popularidade está em recuperação e isso dá mais confiança para o Lula manter essa rota, sem urgência de gastos novos fora do teto.
FLJ: O arcabouço fiscal fecha seu terceiro ano de vigência. Qual seu balanço a respeito da regra neste mandato presidencial?
Cascione/Eurasia: Uma avaliação mista. A regra teve o mérito de forçar disciplina no governo e no Congresso, exigindo contingenciamentos e ajudando a conter pressões por novos subsídios e benefícios. Mas ela teve problemas de desenho e execução que exigem ajustes no próximo governo. Por exemplo, ficou definida uma regra para o investimento em saúde e educação que é incompatível com o arcabouço ao longo do tempo. O ideal seria que esses programas crescessem em harmonia com o arcabouço. Outro ponto é que algumas políticas públicas foram feitas por fora do arcabouço. Isso dificulta o controle da dívida pública. Vai ser preciso um reforço das regras fiscais no próximo governo.
FLJ: O megainvestidor Luis Stuhlberger, em evento recente, disse não crer em um “rali Tarcísio” (nas bolsa de valores), projetando uma disputa acirrada com Lula. Você concorda com ele?
Cascione/Eurasia: Não sei se terá um rali ou não (na bolsa). Mas concordo que a disputa deve ser acirrada.
FLJ: A pauta da segurança tem influenciado mudanças de governo à direita na América Latina. No Brasil, a pauta é forte, mas Lula não teve o revés que muitos esperavam nas pesquisas após a operação policial mais letal da história no Rio de Janeiro. Além disso, conta com uma forte pauta social para 2026, após entregar a reforma do IR — como a isenção do IR para PLR, fim da escala 6×1 e tarifa zero. Quem pode tirar mais vantagem deste contexto?
Cascione/Eurasia: Depende muito da campanha de cada um. Com esses temas de segurança pública e economia, os dois lados têm condições de mexer com a emoção dos eleitores, provocando medo, raiva, esperança, e ganhar pontos entre os indecisos. Vai ser uam eleição bem acirrada.
FLJ: Muitos analistas afirmam que uma candidatura de oposição depende dos votos da Família Bolsonaro para se viabilizar. Como enxerga esta perspectiva?
Cascione/Eurasia: Vários candidatos podem se lançar, mas aquele que tiver o apoio claro do Bolsonaro sai com uma vantagem muito grande para ir ao segundo turno.
FLJ: Outros analistas já preveem que Centrão e lulismo devem ser a próxima versão da polarização política brasileira. O que você acha desta avaliação e o que mudaria na prática?
Cascione/Eurasia: Discordo, pois o Centrão não tem base social e também não vai se tornar um bloco antipetista coeso. Ser antipetista iria contra a própria natureza do Centrão, de privilegiar o clientelismo local, negociando com quem estiver no governo. O que está acontecendo é que o PT está investindo novamente em uma agenda antissistema com forte apelo popular. Da direita à esquerda, em geral os eleitores rejeitam o Centrão. Isso rende votos.
FLJ: A crise climática, a Nova Guerra Fria e outras pressões sociais, como o envelhecimento populacional do país, têm gerado maiores pressões fiscais. É possível construir uma sustentação fiscal baseada no ajuste sobre salário mínimo e direitos sociais, como a Previdência, sem desgastar ainda mais o sistema político e aprofundar o sentimento antissistema da população?
Cascione/Eurasia: Antes de tudo, é preciso reconhecer que um ajuste fiscal é necessário. A rota atual é insustentável, e há muito desperdício. O debate é sobre a composição e a intensidade desse ajuste. Acho que há espaço sim para mudanças nas políticas sociais, pois esses programas cresceram de forma desordenada, especialmente na pandemia, e hoje há muita ineficiência e sobreposição. E acredito que dá para discutir, de forma madura, um ajuste nas regras de educação e saúde que mostrem que esses investimentos podem continuar crescendo, mas com regras mais sólidas. O maior risco é evitar esse debate e deixar a bomba fiscal estourar. É nessas horas de crise que o sentimento antissistema mais se alastra.