Por Simone Kafruni e Machado da Costa
A crise institucional instaurada no Congresso Nacional, com a disputa entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), em torno da tramitação de Medidas Provisórias, pode atrapalhar as pretensões do Executivo, a aprovação do novo arcabouço fiscal e, no limite, desestabilizar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes da gestão completar 100 dias.
Tanto que o presidente Lula, mesmo com um princípio de pneumonia e após adiar a viagem à China por ordens médicas, reuniu vários ministros e líderes do governo no Congresso no Palácio Alvorada nesta sexta-feira para tentar resolver o impasse.
Estão em jogo a reestruturação da máquina pública, o novo programa Bolsa Família e o pacote econômico do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para reduzir o déficit fiscal, entre outras propostas editadas por meio de MPs.
Após ser editada pelo presidente da República, uma MP passa a valer imediatamente, mas tem prazo de 120 dias para ser avaliada pelo Congresso, senão perde a validade, caduca e não pode ser reeditada. Desde a pandemia, as MPs enviadas pelo Executivo passaram a ser votadas diretamente nos plenários, avaliadas primeiro em 90 dias pela Câmara e, depois, em 30 dias, no Senado.
Após a reunião de líderes de hoje, Lira afirmou ser unanimidade entre os deputados a decisão de manter o rito atual e não retroagir à obrigação constitucional de instaurar comissões mistas.
“Tem MPs com 60 dias que se a gente for criar uma comissão mista agora não terá tempo hábil de votar, ela caduca. É preciso uma solução emergencial”, disse o deputado Guilherme Boulos, líder do PSol.
Os senadores reclamam que, devido a negociações na Câmara, pelo rito atual, as MPs chegam ao Senado com prazo exíguo para apreciação. “O Senado quer cumprir a Constituição, que determina as comissões mistas”, afirmou o líder do MDB na Casa Alta, Eduardo Braga.
A briga entre Pacheco e Lira chegou ao ponto de o presidente do Senado anunciar que vai instaurar as comissões mistas à revelia de um acordo com os deputados. Lira rebateu e anunciou que os líderes da Câmara não vão indicar os representantes das bancadas na comissão, o que inviabilizaria o seu funcionamento.
Por enquanto, o único acordo fechado é relativo à tramitação de 13 MPs do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A Câmara fará um esforço concentrado na semana que vem para votar todas. As MPs do governo Lula seguem no centro da crise institucional do Congresso.
RISCOS
Para o cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, os riscos para o mercado ainda não estão devidamente precificados. “Para o mercado, será bom algumas medidas expansionistas perderem validade, mas será negativo se aquelas positivas do ponto de vista fiscal caducarem. Não tem saída ideal”, ressaltou, em entrevista à Mover.
No entendimento do cientista político da Hold Assessoria Legislativa, André César, Lira e Pacheco precisam construir um texto minimamente de consenso para mudar a Constituição e unificar a agilidade do rito atual às obrigações constitucionais, de equilíbrio entre as duas Casas.
“Essa disputa no Congresso, no limite, pode derrubar o governo”, alertou. César avaliou ainda que a crise institucional pode acabar com o ambiente político para a aprovação do arcabouço fiscal. “Esse é o maior risco de todos”, disse.
Além disso, a votação de MPs no Congresso trava a pauta e impede o andamento de outros projetos. Na opinião do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, dificilmente a reforma tributária teria problema, mas o arcabouço ficaria à mercê “dos parâmetros apresentados”.