Especialistas acham que, com ato, Bolsonaro mantém país dividido e inibe sucessores
São Paulo, 23/02/2024 – Não há manobra judicial que possibilite ao ex-presidente Jair Bolsonaro fugir de uma condenação e de uma provável prisão pela tentativa de golpe de Estado.
Dois fatos atestam essa afirmação. O primeiro é a atual composição dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nove formam um bloco sólido que já deu fortes sinais de que poderá condená-lo ou prendê-lo.
O outro fator determinante para que o destino de Bolsonaro esteja selado é a descoberta do vídeo revelando uma reunião secreta, realizada em 5 de julho de 2022, em Brasília, para discutir um golpe, espalhar notícias falsas e até definir quais autoridades deveriam ser presas logo após a tomada de poder pela força.
O golpe acabou não ocorrendo por falta de adesão da cúpula militar e, acredita-se também, por falta de liderança de Bolsonaro nas Forças Armadas.
Diante do vídeo e do mal-estar no STF, fica evidente que manifestar-se publicamente, discursar à sua base, participar de comícios são as únicas armas que lhe sobraram.
Justifica-se assim o ato por ele convocado para este domingo (18) na Avenida Paulista. Afinal, encurralado no Sistema de Justiça Bolsonaro tenta a cartada das ruas.
Mas qual vantagem concreta terá o ex-presidente com a manifestação? É fato que, mesmo uma presença expressiva de manifestantes não irá influenciar o STF. Também é fato que uma manifestação como essa não vá lhe dar algum bônus eleitoral – ele já esta inelegível até 2030.
“Acho que é um ato de desespero. Ele não irá perder o apoio de uma parte importante do eleitorado, não precisava do evento pra isso. E ainda corre o risco de ser feito algo que possa ser considerado um crime ou algo que ofenda o STF”, disse ao FLJ o cientista político e professor Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
De prático, Abrucio enxerga outra lógica. “Acho que, além do desespero, esse evento está sendo organizado pelo Bolsonaro pra evitar que os seus aliados mais importantes já se coloquem rapidamente como sucessores de alguém que será preso.” Em suma, segundo Abrucio, não se pode subestimar o risco de algum aventureiro roubar o seu legado – que, em termos de popularidade, não é pequeno.
Antes da aparição do vídeo mostrando os meandros da tentativa de golpe, pesquisas mostravam que metade da população brasileira não acreditava que Bolsonaro tentou dar um golpe. Outras pesquisam indicam que o Brasil continua dividido entre lulistas e bolsonaristas. Portanto, mesmo sem ter para onde correr, o ex-presidente mantém sua força política. O ato tende a manter a polarização do país e o nome do Bolsonaro em um dos polos.
Diferenças à parte, são praticamente idênticos o roteiro que Bolsonaro faz e os comícios feitos pelo presidente Lula em São Bernardo do Campo antes de ser preso em 2018. Só que, lá, acreditava-se que a mobilização popular desmotivaria o juiz Sérgio Moro de decretar a sua prisão. Agora, os bolsonaristas não tem essa esperança. Acham que irá preso e ainda há o risco de incomodar ainda mais o STF.
Em um vídeo nas redes sociais, Bolsonaro pediu que seus apoiadores façam uma manifestação “séria, disciplinada e pacífica” no domingo e que o movimento se restrinja apenas à capital paulista.
Segundo ele, o protesto vai defender “nosso Estado democrático de direito e nossa liberdade”.
Ao final da mensagem, Bolsonaro pediu que os manifestantes evitem levar faixas contra “quem quer que seja”.