Campos Neto rebate críticas de que Brasil descumpre metas de inflação

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Agência Senado
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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, rebateu hoje, durante audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, acusações de que o BC brasileiro nunca cumpre as metas de inflação estabelecidas. Campos Neto apresentou um quadro comparativo com outros países da América Latina para mostrar que o Brasil está dentro da média em termos de cumprimento da meta.

“Não é verdade que o Brasil estoure a meta com mais frequência que outros países. Está bem dentro de uma média”, disse Campos Neto. Dentro do quadro comparativo apresentado por ele, o Brasil ultrapassou a meta de inflação por sete vezes, enquanto Chile, Colômbia e Peru não cumpriram a meta em oito anos.

Também rebatendo críticas de que a meta da inflação brasileira fixada em 3% é muito baixa, a partir de um quadro comparativo, Campos Neto mostrou que o Brasil está dentro de uma média global. Segundo o presidente do BC, estabelecer metas de inflação e atuar com a taxa de juros dentro do que é proposto é muito importante para dar previsibilidade ao mercado.

Campos Neto deu como exemplo o caso do vizinho Peru, que tem uma estrtutura de autoridade monetária muito sólida, com autonomia preservada do Banco Central. Independentemente das crises políticas pelas quais o país tem passado, inclusive com tentativa de golpe contra o Congresso e impeachment do presidente, houve uma estabilidade nas decisões de juros, que não descolaram da política monetária praticada nos Estados Unidos.

“Isso mostra que um Banco Central autônomo transmite segurança na parte de precificação de ativos financeiros e expectativas, que gera um ganho para a sociedade muito grande”, comentou Campos Neto.

O presidente do BC explicou ainda que, em um regime de metas de inflação, é fundamental controlar as expectativas do mercado, já que os agentes ajustam seus preços hoje conforme as projeções e metas para a inflação no futuro. “Controlamos muito da inflação presente controlando expectativas”, afirmou.

Expectativas de inflação

Dando pistas sobre as próximas decisões de juros, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse há pouco que ainda não conseguiu enxergar melhoras nas expectativas de inflação no país desde novembro do ano passado. Ao mesmo tempo, Campos Neto afirmou que discorda que o Brasil esteja à beira de uma recessão profunda.

O boletim Focus desta semana divulgado ontem mostrou que os economistas consultados pelo Banco Central elevaram a expectativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2023, de 6,01% para 6,04%. Para 2024 mantiveram inalterada a projeção em 4,18%, e para 2025 e 2026, em 4,00%.

Ao longo de boa parte de sua fala durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Campos Neto explicou a importância de seguir as expectativas da inflação do mercado, além da inflação corrente, para basear as decisões de juros do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. “A expectativa da inflação é muito importante no sistema de metas, porque as pessoas reajustam o preço baseado nas expectativas. Então, a gente precisa ter certeza que as expectativas de inflação estão ancoradas”, declarou.

Com relação ao patamar atual da taxa Selic, que está em 13,75%, Campos Neto relembrou que o Brasil fez um movimento antecipado de subida de juros em relação aos demais países, o que foi positivo, já que hoje a inflação brasileira está abaixo da média global. “Isso mostra o sucesso de ter feito o movimento de juros antecipadamente e de ter controlado uma inflação que poderia ter sido muito pior”, disse.

Campos Neto também indicou que o Copom não deve baixar juros tão cedo ao falar sobre as expectativas de recessão. Segundo o presidente do BC, os dados de atividade corroboram com os argumentos de que existe sim uma inflação de demanda, diferente do que integrantes do governo têm dito. Campos Neto deu como exemplo a taxa de desemprego e a massa de rendimento real.

“A gente vê uma recuperação na margem. Então, não é verdade que o Brasil está afundando em uma recessão sem fim. O que a gente está tentando fazer é um trabalho de trazer a inflação para a meta. Porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes e a gente tem que fazer isso da forma mais suave possível”.

Campos Neto explicou que as decisões de juros do Copom sempre buscam perseguir as metas de inflação estabelecidas pelo Comitê Monetário Nacional, mas também levando em conta o menor custo que essa decisão vai trazer para a sociedade.

Crédito

O presidente do Banco Central também disse que o Brasil tem uma das menores taxas de recuperação de crédito do mundo, com 18,2% – à frente apenas de países como Angola, Haiti, Venezuela e Turquia – e que a inadimplência tem impacto na taxa de juros.

Além disso, Campos Neto explicou que o crédito direcionado no Brasil chega a 40,3%. “Quanto mais crédito direcionado, menos potência a política monetária tem. Nenhum país do mundo tem isso”, disse.

A título de comparação, Campos Neto falou que a média de crédito direcionado dos países emergentes é de 3% a 4% e só o México tem algo mais elevado, ainda assim em torno de 26%. “Se vendo muito a meia entrada, a entrada inteira tem que ser mais cara”, disse, fazendo uma analogia para explicar por que os juros do crédito não direcionado são tão altos.

Campos Neto disse, ainda, que é uma ilusão achar que se o BC baixar a Selic vai melhorar as condições de crédito. “O mundo não gira na Selic, grande parte dos juros é pré-fixada. Economia não gira no juro curto”, afirmou.

Quando houve queda da Selic, segundo o presidente do BC, o crédito não subiu. “Ele caiu, porque não consigo controlar a expectativa dos agentes somente com a palavra, preciso de credibilidade”, ressaltou. “Se cai o juro curto sem credibilidade, o juro longo sobe. Quanto mais o juro longo é subsidiado, mais tenho que subir o juro curto. É um círculo vicioso”, destacou.

“Precisamos melhorar a credibilidade, para entrar no círculo virtuoso. Esse é o movimento saudável”, acrescentou.

Lula

Roberto Campos Neto ainda afirmou que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem o direito de falar sobre juros. “Nunca reclamei disso”, disse.

Questionado pelo senador Omar Aziz (PSD) sobre quem ganha com juros altos, Campos Neto respondeu que o Banco Central trabalha para reduzir a inflação e por isso aplica a política monetária. “Um pedaço de crédito está carimbado com juros mais baixos, quando parte do mecanismo está engessado, outra parte precisa ser maior”, reforçou.

O presidente do BC disse que é natural que as pessoas anseiem por juros mais baixos. “Acho positivo esse debate. Minha função é explicar de forma técnica que o BC não é culpado, é ator, está no mesmo barco”, disse.

“Temos uma dívida bruta que é maior do que a dos emergentes, uma poupança que é menor e um grande trabalho de reversão de expectativas. São vários fatores”, destacou.

Corte de despesas

Campos Neto disse que o Brasil não teve muito sucesso em planos de cortes de despesas e que reduzir gastos é mais eficaz para conter a inflação do que o aumento de receitas.

A declaração, feita em audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, é uma crítica velada ao arcabouço fiscal apresentado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso Nacional.

O marco fiscal, que começou a tramitar na semana passada, é mais baseado no aumento de arrecadação, para que os gastos possam também subir, com limites de 70% da receita quando a meta for atingida e teto de 50% quando houver frustração da meta fiscal.

“Qualquer plano fiscal que mire mais corte de despesas tem maior impacto na inflação. Quando é aumento de receitas, não tem tanto efeito”, afirmou, sem, contudo, mencionar o arcabouço fiscal do governo.

Na véspera, o economista e ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse em entrevista exclusiva ao Faria Lima Journal (FLJ), que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi desmoralizada.

Autonomia do Banco Central

O presidente do Banco Central disse que a autonomia do BC é balanceada. “É bem equilibrada, porque a cada dois anos mudam dois diretores. Nunca tem alguém com poder absoluto”, afirmou em audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

“Como o Banco Central é um ambiente muito técnico é tudo baseado em modelagem. As coisas chegam muito mastigadas pelos técnicos”, explicou.

O presidente do BC teve que responder questões repetidas, por senadores que chegaram à comissão atrasados. Entre os temas, a questão da meta da inflação. Campos Neto reiterou que a meta é determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado no qual ele é minoria.

Além do presidente do BC, participam do CMN o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB). “O debate sobre meta de inflação é amplo”, ressaltou.

Recursos

Na avaliação de Campos Neto, o mundo pós-pandemia passa pela reconstrução de cadeias de valor e que alguns países estão sendo receptores de recursos, com o Brasil podendo se beneficiar deste cenário.

“O Brasil deveria ser candidato a receptor de recursos, porque poucos países têm mão-de-obra farta e energia renovável como aqui”, afirmou, em audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Campos Neto também falou sobre a alta inflação de alimentos na Europa. “Países que tentaram proteger a inflação de alimentos pagaram caro”, afirmou, lembrando que a situação também ocorre na América do Sul, como na Colômbia e Chile.

Indagado pelo senador Flavio Bolsonaro (PL) sobre o efeito de uma queda de juros artificial, o presidente do BC disse que o impacto disso seria direto na desvalorização do real.

Após mais de cinco horas de audiência pública, Campos Neto deixou o Senado sem falar com a imprensa.


Por: Stéfanie Rigamonti, Patrícia Lara, Simone Kafruni e Gabriel Ponte