Karina Kufa, ligada ao ex-presidente, avalia que STF não poderia julgá-lo; entenda

Acusação de golpe contra Bolsonaro é 'fantasia jurídica', diz advogada

Reuters News Brasil
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São Paulo, 06/03/2023 – A advogada Karina Kufa tem sido nos últimos anos uma das mais relevantes advogadas e conselheiras jurídicas do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ainda que não esteja à frente de sua defesa criminal, tem uma visão panorâmica da novela política que todos estamos assistindo. Karina concedeu uma entrevista ampla ao FLJ, na qual classificou como fantasias jurídicas as acusações ao ex-presidente, pois, na visão dela, não há prova de que houve de fato uma tentativa de golpe de Estado.
Karina disse ainda que o Supremo Tribunal Federal não poderia julgá-lo, pois Bolsonaro perdeu o foro ao sair da Presidência – uma questão com a qual o tribunal, de fato, terá de lidar. Abaixo, a íntegra da entrevista.

FLJ- A sra. acha que Bolsonaro será condenado e preso pela tentativa de golpe de Estado?

Karina – Do ponto de vista técnico-jurídico, não deveria. O que se desenhou é uma fantasia jurídica. Bolsonaro não deu nem tentou dar um golpe de Estado no Brasil, tendo participado das eleições presidenciais, no primeiro e no segundo turnos. Não é concebível que o presidente tenha tentado dar o golpe tendo participado da disputa democrática.

FLJ – O ex-ministro Marco Aurélio defende que o STF não é o foro competente para julgar Bolsonaro, por ele ter perdido o foro privilegiado. A sra. concorda?

Karina – Sim, concordo. A meu ver, todos os inquéritos que tramitam no STF em face de cidadão comuns, inclusive do ex-presidente, são ilegais, pois o STF somente tem competência para investigar quem tem foro por prerrogativa de função.
Inclusive, esse erro poderá gerar, no futuro, impunidade, tal como foi com a Lava-Jato, já que a demora na apuração pelo foro competente poderá tornar possíveis delitos prescritos.
Os crimes cometidos no dia 8/1 entendo que deveriam ser classificados como dano ao patrimônio público, pois não foram atos provenientes de um golpe, mas atos de baderneiros. Não teve um canhão sequer. Esses julgamentos poderão ser anulados, gerando impunidade.

FLJ- No entanto, a cada dia surge uma “prova” grave contra o ex-presidente. Comecemos pela minuta encontrada dentro do escritório de Bolsonaro no PL em que se planejam o Estado de Sítio e a decretação da Operação de Garantia da Lei e da Ordem, medidas extremas. Outros dois documentos, com o mesmo conteúdo, foram encontrados com seus auxiliares. Não fica claro que o presidente de fato queria dar um golpe?

Karina- Não podemos afirmar quando o presidente Bolsonaro teve acesso ao documento. Pelo que soube, o acesso se deu pelo envio do arquivo que se encontrava nos autos.
Mas veja bem: o Estado de Sítio e a Garantia da Lei e da Ordem estão previstos na Constituição. E, caso isso tenha sido discutido, em algum momento, o que destaco para fins de argumentação, não haveria nenhuma ilegalidade em questionar o uso de instrumentos que estão previstos na Constituição. Isso não seria crime.
E vamos imaginar que fossem crimes. Neste caso, não poderiam ser punidos porque não se tentou cometê-los. Teriam sido atos preparatórios, que não são crime no Direito Penal brasileiro.

FLJ- O que isso significa?

Karina- Significa que preparar um delito, mas nunca tentá-lo, não é crime. Se tivesse o presidente planejado um Golpe de Estado, o que não ocorreu, mas apenas realizado reuniões estratégicas, sem ter iniciado a execução do golpe, não constituiria crime.
Para haver um suposto golpe, deveríamos ter a participação das Forças Armadas, com o comando oficial vindo do Presidente da República. Qualquer atitude sem a participação das FA trata de um crime impossível. Não existe golpe por populares tresloucados sem poder ou armas.

FLJ- Então, planejar um crime, mas não cometê-lo, não é algo que viola a lei?

Karina- Vou dar um exemplo. Imagine que uma pessoa tenha comprado uma arma com registro pensando em matar seu parceiro, mas desiste da empreitada no meio do caminho de volta para a casa. Guarda a arma e nunca mais pensa no assunto. Isso não é tentativa de homicídio. O planejamento seria um ato preparatório, que não é punido pela lei.

FLJ – Em reunião filmada com sua equipe, Bolsonaro diz a seguinte frase: “Vou entrar em campo usando meu Exército.” Não lhe parece mais do que um ato preparatório?

Karina – Não, de modo algum. O ex-presidente usa termos do exército para tratar de coisas do dia a dia. Essa analogia era comum. Quando, por exemplo, ele ficava preocupado com ataques que eu, sua advogada, poderia receber de opositores, ele falava: “Karina, não fique demais no fronte”. Tenho certeza de que o ex-presidente usou as palavras “meu exército” para referir-se a seus 23 ministros.

FLJ- Mas como contestar a declaração do ministro Gilmar Mendes (STF) de que as declarações de Bolsonaro sobre as chamadas “minutas do golpe” parecem “uma confissão”?

Karina – Imagino que as conclusões de hoje passarão por interpretações mais rigorosas durante o julgamento. Esse tipo de opinião, precoce, pode mudar de sentido durante o rigor de um julgamento. O que devemos sempre lembrar é que, no processo penal, as interpretações são mais restritas, pois, para haver condenação, necessitamos de provas contundentes.

FLJ- Os investigadores dizem ter identificado documentos em que se previa, após um golpe, a prisão do ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Não dá para reduzir a gravidade desse cenário. Aqui, a sra. não acha que o caso contra o ex-presidente fica mais grave?

Karina – As condutas devem ser analisadas de forma individualizada. Precisamos saber: com quem estavam esses supostos documentos? Quem os produziu? O ex-presidente teve acesso antecipado ou mandou produzir? Se foram conversas de WhatsApp entre populares ou documentos que circularam entre os mesmos, não vejo a mínima possibilidade de vincular o presidente Bolsonaro.

FLJ – Mas a sra .duvida da existência de um comando para prender as três autoridades?

Karina- Para mim, são narrativas fantasiosas. Lembro-me das AIJEs (ações de investigações judiciais eleitorais) de 2018 e do inquérito sobre fake news nas eleições, nas quais fui advogada. Não havia uma única prova sequer da existência de financiamento de grupos para propagar notícias falsas em favor da campanha eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro, mas todo dia estavam estampados, nos veículos de comunicação, matérias sensacionalistas, com vazamentos de informações dos inquéritos, como se tivesse acontecido algo grave e ilegal em 2018. Felizmente, não tivemos uma condenação ilegal. Espero que os inquéritos atuais tenham o mesmo fim.

FLJ – Dissemina-se a percepção segundo a qual o depoimento do general Freire Gomes à Polícia Federal, na sexta-feira, é o que faltava para selar a condenação de Bolsonaro. É mais um complicador?

Karina – Não temos o conteúdo de tais depoimentos para fazer uma avaliação precisa. Mas, caso seja verídico que eles afirmaram que reuniões para se discutir o suposto golpe aconteceram, e isso ficasse provado, poderia adiantar que essas discussões seriam nada mais do que atos preparatórios, que não são puníveis, como já mencionado.